Igreja Católica

Papa Francisco completa 12 anos de um pontificado de futuro incerto

Com a saúde debilitada e hospitalizado em Roma, Francisco levanta dúvidas sobre a capacidade de comandar 1,4 bilhão de fiéis. Vaticanista vê momento de incerteza e guerra civil na Santa Sé, e filósofo não crê em renúncia

O alemão Joseph Ratzinger, o Bento XVI, tinha acabado de renunciar ao pontificado. Depois de dois dias de conclave, o argentino Jorge Mario Bergoglio tornava-se o primeiro papa latino-americano, em 13 de março de 2013, e escolhia o nome "Francisco", em homenagem a São Francisco de Assis. Da sacada da Basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano, fez um pedido especial aos fiéis: "Antes que o bispo abençoe seu povo, peço que vocês rezem ao Senhor para que Ele me abençoe". Nos 12 anos à frente da Igreja Católica, Francisco combateu a pedofilia, fez acenos à comunidade LGBTQIAPN+, escolheu a freira Simona Brambilla para dirigir o importante Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e implementou reformas na Santa Sé. Depois de 29 dias de hospitalização e com a saúde fragilizada por uma pneumonia bilateral, o futuro do papado de Francisco está marcado pela dúvida. 

"A Igreja vive um grande momento de incerteza. Ninguém sabe como a saúde do papa estará nos próximos meses. Ele parece melhor, mas a doença pulmonar e a infecção não foram debeladas. Os médicos do Hospital Gemelli (em Roma) pretendem mantê-lo internado até que essas condições estejam controladas. Por várias vezes, Francisco disse que estaria pronto a renunciar, se suas condições físicas não o ajudassem a comandar a Igreja", afirmou ao Correio o biógrafo papal italiano Marco Politi. "Caso algum cardeal ultraconservador pressione Francisco, ele poderá afirmar que sua missão está no Trono de São Pedro. Do ponto de vista racional, o pontífice está pronto para tomar a mesma decisão de Bento XVI."

De acordo com Politi, os últimos dez anos foram marcados por uma "guerra civil subterrânea" dentro da Igreja. "Depois do Sínodo sobre a Família, em 2014 e em 2015, os ultraconservadores nunca aceitaram que Francisco tenha dado permissão para a comunhão dos divorciados e das pessoas casadas novamente. Eles organizaram um grupo de pressão e fizeram forte oposição ao papa. Também lutaram contra o diaconato das mulheres ou a existência de padres casados na Amazônia."

O biógrafo papal crê que isso impediu Francisco de seguir com as reformas. "A comissão que ele criou para debater o diaconato feminino foi dissolvida. Os sinais mais evidentes dessa guerra civil teriam sido emitidos depois do Sínodo dos Bispos da Amazônia", disse Politi. "Dois terços dos eleitores votaram para pedir a Francisco a permissão para que diáconos casados pudessem se tornar padres. Quando o pontífice acenou que tomaria essa decisão, o papa emérito Bento XVI disse que seria impossível a existência de sacerdotes casados. Foi uma intromissão real no pontificado de Francisco."

Ainda segundo Politi, 12 anos depois de Francisco ascender ao Trono de São Pedro, a Igreja encontra-se muito dividida. "Os conservadores se opõem aos reformistas, e muitos bispos estão desorientados, pois pertencem a diversas tendências. Alguns apoiam a comunhão para divorciados, mas são contra a bênção a homossexuais. O próximo conclave será dificílimo."

Luiz Felipe Pondé, filósofo e diretor acadêmico do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP, lembrou ao Correio que a Igreja consegue se manter mesmo com o papa debilitado. "Há a gestão da Igreja, que não é conduzida pelo pontífice, e o papa, uma figura santa para os católicos. Uma coisa não se mistura a outra. Uma renúncia de Francisco poderia criar a sensação de nova ordem no Vaticano, uma jurisprudência capaz de se tornar em movimento de pressão dos cardeais sobre um papa de saúde fragilizada", observou.

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Marco Politi, biógrafo papal italiano e autor de Francis among the wolves ("Francisco entre os lobos") e de The unfinished ("O inacabado")

"Francisco abriu as janelas e as portas da Igreja para grandes avanços. Houve gestos, palavras e atos de governo. Ele pavimentou caminhos e, agora, é impossível retroceder. Ele decidiu dar a comunhão a divorciados e a pessoas casadas novamente. Também abriu os debates sobre diaconisas e colocou mulheres em posições-chave da Cúria Romana."

Marco Politi, biógrafo papal italiano e autor de Francis among the wolves ("Francisco entre os lobos") e de The unfinished ("O inacabado")

AS PRINCIPAIS AÇÕES DE FRANCISCO

A seguir, as medidas de impacto tomadas pelo jesuíta argentino desde sua eleição:

Luta contra a pedofilia

A multiplicação dos escândalos de agressões sexuais contra menores dentro da Igreja tem sido um de seus desafios mais difíceis. Em 2019, uma cúpula sobre a proteção de menores, no Vaticano, levou a medidas concretas, como a eliminação do segredo pontifício sobre os crimes, a obrigatoriedade para religiosos e leigos de denunciar casos à hierarquia e a criação de plataformas de escuta em dioceses.

Prioridade para "periferias"

Em suas 47 viagens ao exterior, priorizou a visita às "periferias" do mundo, especialmente em países marginalizados do Leste Europeu, América Latina e África. O primeiro papa latino-americano é um grande defensor do multilateralismo e se abre ao diálogo com todas as religiões.

Comunidade LGBTQIAPN+

Francisco defende uma Igreja aberta a "todos" e tem multiplicado os gestos em favor de divorciados recasados e fiéis LGBTQIAPN+. No fim de 2023, autorizou a bênção de casais do mesmo sexo, decisão rejeitada por setores conservadores da África e dos EUA.

Reformas

Francisco buscou implementar uma reforma profunda da Cúria Romana para fortalecer o processo de escuta das igrejas locais e dar mais espaço aos leigos e às mulheres. Também renovou o obscuro setor das finanças do Vaticano.

Com direito a bolo e velas

Jorge Bergoglio celebrou com um bolo seus 12 anos como papa Francisco no hospital onde está internado há quase quatro semanas. A "pequena festa" foi organizada pelos médicos e enfermeiros do hospital Gemelli, em um sinal de sua melhora, segundo o escritório de imprensa do Vaticano. "A equipe de saúde que o acompanha nestes dias decidiu comemorar com um bolo e velas", acrescentou a fonte, sem dar mais detalhes. Durante o dia, o "Santo Padre" dos católicos seguiu com o tratamento e a fisioterapia, além de rezar e acompanhar à distância os exercícios espirituais realizados no Vaticano para a Quaresma.

 

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