Diplomacia

Estados Unidos e Irã iniciam diálogo histórico sobre o programa nuclear

Teerã e Washington começam negociações sem precedentes sobre o enriquecimento de urânio do Irã, no sultanato de Omã. Conselheiro do aiatolá Ali Khamenei pede acordo "real e justo". Especialistas avaliam expectativas de resultados

O presidente iraniano, Masoud Pezeshkian (segundo à direita), e o chefe da agência nuclear, Mohammed Eslami, observam centrífugas -  (crédito: Presidência do Irã/AFP)
O presidente iraniano, Masoud Pezeshkian (segundo à direita), e o chefe da agência nuclear, Mohammed Eslami, observam centrífugas - (crédito: Presidência do Irã/AFP)

Sob a ameaça de uma ofensiva militar dos Estados Unidos e de Israel, os iranianos se reúnem, neste sábado (12/4), com os americanos, no sultanato de Omã, para negociar um acordo sobre o programa nuclear de Teerã. Os EUA suspeitam que o Irã utilize o enriquecimento de urânio como fachada para desenvolver a bomba atômica. Na véspera das negociações sem precedentes, o regime iraniano recuou e pediu um acordo "real e justo" com Washington.

"Longe de fazer um show e apenas falar para as câmeras, Teerã busca um acordo real e justo; propostas importantes e implementáveis estão prontas", declarou Ali Shamkhani, conselheiro sênior do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã. Steve Witkoff, enviado dos Estados Unidos para o Oriente Médio, e o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araqchi, comandarão as conversas, sob a mediação do sultanato de Omã. 

"Estamos dando à diplomacia uma oportunidade real, de boa fé e com total vigilância. Os Estados Unidos devem apreciar esta decisão, que foi tomada, apesar de sua retórica hostil", afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Esmail Baqai. Na quarta-feira, o presidente dos EUA, Donald Trump, elevou o tom contra Teerã e afirmou que uma ação militar é "absolutamente possível", caso não haja um acordo. No mesmo dia, o presidente iraniano, Masud Pezeshkian, assegurou que o Irã está aberto aos investimentos americanos, mas se opõe a tentativas de mudança do regime. 

Daryl G. Kimball, diretor-executivo da Associação para o Controle de Armas (em Washington), acha improvável que Irã e EUA, depois de um dia de reuniões, alcancem um acordo abrangente para abordar as preocupações sobre a natureza das atividades nucleares e sobre a segurança e a remoção das sanções financeiras. "No entanto, esta é uma oportunidade crucial para que ambos cheguem a um consenso sobre um plano para mais diálogo e para delinear as posições de abertura, além de identificar as áreas de concordância e de comprometimento", afirmou ao Correio.

Ele lembrou que a confiança entre as duas partes é extremamente baixa. "Foi Trump, quem, em seu primeiro mandato, retirou-se do muito eficaz Plano de Ação Conjunta Global (JCPOA) de 2015, o qual o Irã estava cumprindo, e depois voltou a impor sanções a Teerã."

Kimball considera irrealistas as demandas de desmantelamento do programa nuclear iraniano. "Enquanto for membro do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), o Irã é obrigado a não adquirir armas nucleares, a permitir inspeções internacionais para proteção contra desvios militares e a explorar o uso pacífico da energia nuclear."

De acordo com ele, o acordo mais realista seria o Irã aceitar suspender as operações e parcialmente desmantelar elementos de seu programa de enriquecimento de urânio. "Teerã reduziria os estoques de urânio e concordaria com uma supervisão mais intrusiva da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em troca do relaxamento de sanções internacionais." 

Ceticismo

Especialista em Oriente Médio pela Universidade de Harvard, Majid Rafizadeh demonstra ceticismo em relação a uma solução ser anunciada ainda neste sábado. "Dado o atual clima geopolítico e os acontecimentos recentes, a probabilidade de os EUA garantirem um acordo nuclear abrangente com o Irã, neste sábado, parece remota. Embora ambas as nações tenham manifestado interesse em negociações, ainda existem obstáculos significativos", disse ao Correio. Ele reconhece que o Irã tem demonstrado disposição em considerar um acordo nuclear provisório, que envolva a suspensão de certas atividades de enriquecimento de urânio e um maior acesso dos inspetores da AIEA às instalações nucleares. "Em troca, Teerã busca o alívio das sanções de 'pressão máxima', impostas durante o mandato anterior de Trump."

Rafizadeh destacou que Trump estabeleceu prazo de dois meses para novo acordo. "O presidente enfatizou que o fracasso levaria a 'medidas alternativas', incluindo ação militar." Michael O'Hanlon, diretor de pesquisa do programa de Política Externa da Brookings Institution (em Washington), crê que o sucesso do acordo depende de concessões. "Se esperamos que o Irã abra mão de tudo, eu diria que as chances são mínimas. Se esperamos que o Irã envie 60% de seu urânio, por um preço, e aceite novas restrições ao enriquecimento, em troca do levantamento significativo das sanções, então isso fica dentro do imaginável", admitiu à reportagem. 

Um dos fundadores do Conselho Nacional Iraniano Americano, com base em Washington, e vice-presidente do Quincy Group — instituto de pesquisa sediado na capital dos EUA —, Trita Parsi disse ao Correio não ver a chance de um desmantelamento completo. "Trump entende isso. Ele quer um acordo, e o caminho para isso é que ambos lados adotem posições razoáveis."

"Os EUA esperam negociações indiretas, por meio de representantes do sultanato de Omã, e que ocorram algumas reuniões presenciais com seus homólogos iranianos. O Irã espera que o processo seja o início de um diálogo para aliviar as tensões", disse à reportagem Jamsheed K. Choksy, professor de estudos iranianos da Universidade de Indiana.  

Ele aposta que o regime dos aiatolás se focará na rápida suspensão de todas as sanções. Segundo ele, Teerã também demanda a própria reintegração nas redes políticas e econômicas globais; viagens ao exterior sem impedimentos para seus cidadãos; investimentos econômicos de nações do Ocidente; garantias de que não será atacado pelos EUA ou por aliados; e salvaguardas de que o acordo não será revogado. 

EU ACHO...

Daryl G. Kimball, diretor-executivo da Associação para o Controle de Armas (em Washington)
Daryl G. Kimball, diretor-executivo da Associação para o Controle de Armas (em Washington) (foto: Arquivo pessoal )

"A incapacidade de se chegar a um acordo modesto, para desescalar as tensões, pode levar a sanções renovadas, que poderiam acelerar a retirada do Irã do Tratado de Não Proliferação e viabilizar ataques de Israel. Tal cenário incitaria os líderes do Irã a perseguirem armas nucleares."

Daryl G. Kimball, diretor da Associação para o Controle de Armas

Majid Rafizadeh, cientista político iraniano-americano e professor da Universidade de Harvard
Majid Rafizadeh, cientista político iraniano-americano e professor da Universidade de Harvard (foto: Arquivo pessoal )

"A profunda desconfiança entre as duas nações e a insistência do Irã em reter partes de sua infraestrutura nuclear tornam improvável uma resolução rápida. Um pacto abrangente parece improvável no futuro imediato. A postura intransigente de Trump visa impedir o Irã de desenvolver armas nucleares."

Majid Rafizadeh, cientista político e especialista em Oriente Médio pela Universidade de Harvard

Jamsheed K. Choksy, professor de estudos iranianos e da Eurásia da Faculdade de Estudos Globais e Internacionais da Universidade de Indiana
Jamsheed K. Choksy, professor de estudos iranianos e da Eurásia da Faculdade de Estudos Globais e Internacionais da Universidade de Indiana (foto: Arquivo pessoal )

"Desmantelar o programa nuclear civil não está sobre a mesa dpara o Irã. A suspensão de seu programa nuclear militar é improvável. Qualquer redução na velocidade ou nos níveis de enriquecimento e o descarte de urânio enriquecido ocorrerão por períodos fixos de tempo de 10 a 50 anos."

Jamsheed K. Choksy, professor da Universidade de Indiana 

  • Daryl G. Kimball, diretor-executivo da Associação para o Controle de Armas (em Washington)
    Daryl G. Kimball, diretor-executivo da Associação para o Controle de Armas (em Washington) Foto: Arquivo pessoal
  • Majid Rafizadeh, cientista político iraniano-americano e professor da Universidade de Harvard
    Majid Rafizadeh, cientista político iraniano-americano e professor da Universidade de Harvard Foto: Arquivo pessoal
  • Jamsheed K. Choksy, professor de estudos iranianos e da Eurásia da Faculdade de Estudos Globais e Internacionais da Universidade de Indiana
    Jamsheed K. Choksy, professor de estudos iranianos e da Eurásia da Faculdade de Estudos Globais e Internacionais da Universidade de Indiana Foto: Arquivo pessoal
postado em 12/04/2025 06:00
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