Oriente Médio

Israel prevê "guerra prolongada" e mais complexa de sua história contra Irã

Governo de Benjamin Netanyahu descarta negociar, até que Teerã desmantele o programa nuclear. Por sua vez, Irã condiciona possibilidade de "considerar" diálogo ao fim da "agressão". Mísseis iranianos ferem 45 pessoas em Haifa, no norte de Israel

Socorristas israelenses entram em prédio atingido por míssil iraniano, na cidade portuária de Haifa (norte)  -  (crédito: Fadel Senna/AFP)
Socorristas israelenses entram em prédio atingido por míssil iraniano, na cidade portuária de Haifa (norte) - (crédito: Fadel Senna/AFP)

A guerra entre Israel e Irã entra em seu oitavo dia, neste sábado (21/6), sem perspectivas de uma trégua. Durante reunião de quatro horas com os ministros das Relações Exteriores de Alemanha, França, Reino Unido e da União Europeia, em Genebra, o chanceler iraniano, Abbas Araghchi, anunciou que Teerã está disposto a "considerar" um retorno à diplomacia com os Estados Unidos somente "depois que a agressão israelense cessar".

O chefe do Estado-Maior de Israel, tenente-general Eyal Zamir, afirmou que prevê um conflito longo e histórico. "Estamos lançando a campanha mais complexa de nossa história. (...) Devemos nos preparar para uma campanha prolongada", avisou. "Apesar do progresso significativo, dias difíceis nos aguardam. Estamos nos preparando para muitas eventualidades." 

No início da tarde desta sexta-feira (20/6), 23 mísseis balísticos foram lançados pelo Irã em direção ao sul, ao centro e ao norte de Israel. Um deles atingiu um prédio na cidade portuária de Haifa (norte) e deixou ao menos 45 feridos — um adolescente está hospitalizado em estado grave. Uma mulher sofreu um infarto e não resistiu, enquanto estava no bunker, em Karmiel (norte).

 

O premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, visitou o Instituto Weizmann, centro de pesquisas de Rehovot (centro) destruído por um ataque iraniano na quinta-feira (19/6). "Estamos testemunhando, aqui, a mobilização e a força do povo, sua disposição em arcar com os custos para remover a ameaça existencial que paira sobre nossas cabeças", declarou, ao avisar que "os tiranos de Teerã pagarão um preço alto". 

A Força Aérea israelense realizou vários bombardeios ao Irã, destruindo lançadores de mísseis no sudoeste do país e atacando a capital, Teerã, onde teria atingido um centro de pesquisa nuclear. Além da tensão ante a escalada do conflito, os iranianos foram surpreendidos por um terremoto de magnitude 5,1 na escala Richter (aberta, raramente chega a 9), com epicentro a 37km a sudoeste de Semnan, no norte. Não houve relatos sobre feridos.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou que Israel não tem capacidade para destruir as instalações subterrâneas da central nuclear de Fordow e recusou-se a pedir um cessar-fogo ao aliado. "Acho que é muito difícil fazer esse pedido agora. Se alguém está vencendo, é um pouco mais difícil do que se alguém estivesse perdendo. (...) Israel está indo bem, em termos de guerra, e o Irã não está tão bem. É um pouco difícil fazer alguém parar", disse. Na quinta-feira, Trump afirmou que decidirá sobre a entrada dos Estados Unidos no conflito em até duas semanas. Israel espera que os EUA utilizem a bomba GBU-57, de 13.600t, para perfurar a montanha e destruir as centrífugas de Fordow, a 90m de profundidade.

O chanceler do Irã acusou Israel de "traição ao processo diplomático". Araghchi garantiu que Teerã se reuniria com representantes de Washington, em 15 de junho, para elaborar um "acordo muito promissor". Depois de condicionar o diálogo ao fim da ofensiva israelense, ele acrescentou que era "favorável à continuidade das negociações com o E3 (Alemanha, França e Reino Unido) e a União Europeia".

Danny Danon, embaixador de Israel na ONU, descartou uma pausa nos combates. "Não vamos parar. Não até que a ameaça nuclear do Irã seja desmantelada, não até que sua máquina bélica seja desarmada, não até que nosso povo esteja em segurança", declarou, durante uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU. Ele e o representante do Irã nas Nações Unidas, Ali Bahreini, trocaram acusações de crimes de guerra. Até a noite desta sexta-feira, as hostilidades entre as duas nações tinham matado 224 iranianos e 25 israelenses. A mídia estatal do Irã cita 639 iranianos mortos e 1.326 feridos. 

Acordo

Para Seyed Hossein Mousavian, analista do Programa sobre Ciência e Segurança Global da Universidade de Princeton e negociador sênior nuclear do Irã entre 2003 e 2005, Teerã e Washington precisam de acordos de curto e de longo prazo. "O primeiro deveria ser o que Steve Witkoff (enviado especial da Casa Branca) e Abbas Araghchi (chanceler iraniano) acordaram durante as três primeiras rodadas de negociações em Omã. O Irã aceitaria o nível mais alto de transparência, para remover todas as dúvidas e ambiguidades do programa nuclear. Teerã exportaria ou diluiria o estoque de 60% de urânio enriquecido para remover a preocupação sobre a bomba atômica. Por fim, enriqueceria urânio abaixo de 5%, o nível necessário para fins civis", explicou ao Correio. Ele lembrou que, por conta da pressão israelense, Trump recuou. 

O ex-negociador iraniano acrescentou que também serão necessárias tratativas de médio e longo prazo. "Os acordos criariam um consórcio nuclear regional, um enriquecimento multilateral no Golfo Pérsico, em que Irã, Arábia Saudita e países aliados dos EUA teriam um programa conjunto de enriquecimento nuclear multilateral. Seria a melhor maneira de construir confiança", avaliou Mousavian.

De acordo com ele, Israel não pode continuar a guerra sem apoio dos americanos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). "Israel, em coordenação com os EUA  e a aliança ocidental, atacaria o Irã partindo do pressuposto de que, em de duas semanas, poderia destruir as instalações nucleares, derrubar o governo, criar instabilidade, e tornar o país um Estado falido; antes de destruí-lo."

DEPOIMENTO — ROTINA DE TENSÃO NO BUNKER

"Nasci em São Paulo e moro em Haifa desde 27 de fevereiro de 2020. Hoje (ontem), lançaram 25 mísseis balísticos, alguns deles hipersônicos, contra a parte baixa da cidade. Vivo na parte alta. Eu escutei os estrondos, um bem forte e pelo menos seis mais leves — creio que a defesa antiaérea abateu esses outros. Nós estamos aguardando para ver o que vai acontecer até o próximo alerta para irmos ao bunker. A realidade é essa: todos os dias, no bunker, sob mísseis. Vamos torcer para isso acabar o mais rápido possível. O míssil que vi caiu do lado do prédio do governo. Duas pessoas ficaram feridas gravemente. Quando esses mísseis atingem o solo, não tem jeito, pode esperar que haverá feridos. 

 

O sistema Arrow-3 intercepta bem, mas eles estão usando mísseis cada vez mais rápidos. Estes são os ataques mais agressivos e incessantes contra a Haifa. Durante a guerra contra o Hezbollah, eles lançavam mísseis Katyusha. Poucos caíram, pois eram menores e mais fáceis de serem interceptados. Agora, quando jogam 20 ou 30 mísseis balísticos hipersônicos, um acaba escapando e caindo. Vivemos um momento mais tenso. É uma guerra contra o Irã, muito mais forte do que o Hezbollah e o Hamas. Todo mundo aqui está com uma tensão bem alta. Dessa vez, estou mais tenso e preocupado em saber quando isso acabará e o que vai acontecer."

Carlos Eduardo Beckerman, 47 anos, advogado paulista, mora em Haifa desde 2020, onde trabalha em uma fábrica 

EU ACHO...

Crédito: Arquivo Pessoal. Seyed Hossein Mousavian, especialista em Oriente Médio pela Universidade de Princeton.
Seyed Hossein Mousavian, especialista em Oriente Médio pela Universidade de Princeton (foto: Arquivo Pessoal)

"A poderosa resposta do Irã destruiu todos os cálculos de Israel e da Otan. Agora está claro para todos que Israel não pode continuar esse desastre autoinfligido sem o envolvimento direto dos Estados Unidos na guerra. A continuação dessa situação poderia levar à queda do governo Netanyahu. A entrada dos EUA faria com que o conflito se espalhasse pela região, e sua continuação poderia se transformar em uma guerra transregional."

Seyed Hossein Mousavian, analista do Programa sobre Ciência e Segurança Global da Universidade de Princeton, negociador sênior nuclear do Irã entre 2003 e 2005 

 

 

  • Crédito: Arquivo Pessoal. Seyed Hossein Mousavian, especialista em Oriente Médio pela Universidade de Princeton.
    Seyed Hossein Mousavian, especialista em Oriente Médio pela Universidade de Princeton Foto: Arquivo Pessoal
  • Assista ao flagrante da queda de um míssil na cidade de Haifa (norte 
de Israel)
    Assista ao flagrante da queda de um míssil na cidade de Haifa (norte de Israel) Foto: QR Code
  • Aponte a câmera do celular para o QR Code e assista ao depoimento do brasileiro Carlos Eduardo Beckerman, morador de Haifa
    Aponte a câmera do celular para o QR Code e assista ao depoimento do brasileiro Carlos Eduardo Beckerman, morador de Haifa Foto: QR Code
postado em 21/06/2025 05:50
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