
Após pressionar e ameaçar quem estava em desacordo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump conseguiu o que tanto queria. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) se comprometeu a repassar 5% do PIB (Produto Interno Bruto) para as despesas com defesa e segurança mediante riscos de conflitos armados. É também uma demonstração de apoio a Trump na disputa de forças com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Porém, isolado, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, recusou-se a apoiar a iniciativa. A reação veio imediatamente.
"Eles (os espanhóis) são os únicos que se recusam a pagar. Vamos fazê-los pagar o dobro", ressaltou o republicano, esquecendo-se de incluir a Bélgica, como outro país resistente ao acordo. Os espanhóis afirmam que a retaliação virá via acordos comerciais. "A Espanha, portanto, não gastará 5% de seu PIB em defesa, mas sua participação, peso e legitimidade na Otan permanecerão intactos", ressaltou Sánchez.
Para Trump, apesar do dissabor com a Espanha, a Cúpula da Otan, em Haia, na Holanda, foi positiva. "Uma grande vitória monumental para os Estados Unidos", resumiu. "Acho que a cúpula foi fantástica, um grande sucesso", acrescentou o norte-americano. O acordo foi finalizado antes da reunião em Haia e depois assinado pelos líderes. Sánchez conseguiu excluir expressões mais densas e manter as neutras.
"Essa é uma aliança mais forte, mais justa", definiu o secretário-geral da aliança, Mark Rutte, após o término da reunião. "O presidente Trump deixou claro: os Estados Unidos estão comprometidos com a Otan. Ao mesmo tempo, deixou claro que os Estados Unidos esperam que os aliados contribuam mais."
A declaração, em que os líderes se comprometem com o repase de até 5% do PIB para despesas militares, contem apenas cinco parágrafos. Os representantes da Espanha e da Bélgica reagiram, informando que não dispões de orçamento para tanto. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, chegou a ser ameaçado por Trump.
O primeiro-ministro espanhol chamou sua meta de gastos de "suficiente, realista e compatível". No entanto, Trump denunciou a posição espanhola como "terrível" e alertou que faria Madri pagar "o dobro" nas negociações comerciais em andamento.
O repasse de até 5% dos respectivos PIBs nacionais até 2035 é ambicioso e histórico. O compromisso exigirá que os membros gastem significativamente mais em sua segurança e aumentem suas capacidades, taxas de fabricação e compras de armas. A meta em vigor de 2% foi alcançada no ano passado por 22 dos países-membros.
Para o professor de relações internacionais da UDF Alan Camargo, a contabilidade é muito mais complexa do que um acordo que define percentuais e investimentos. " Ainda assim, os desafios internos e externos à sua implementação indicam que a medida, embora relevante, está longe de assegurar uma vitória estratégica duradoura para os EUA ou de restaurar plenamente a ordem ocidental."
Ucrânia
Após conversar com Trump, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que pediu apoio para a compra de sistemas de defesa antiaérea americanos e coprodução de drones.Essa foi da primeira reunião entre Trump e Zelenky frente à frente, depois de terem se encontrado em Roma em abril para o velório e enterro do papa Francisco.
"Falamos sobre como alcançar um cessar-fogo e uma paz verdadeira. Conversamos sobre como proteger nosso povo", após mais de três anos desde o início da invasão russa, escreveu Zelensky em suas redes sociais.
Agradar o papai
Elogiar, admirar e alardear as qualidades até aí, tudo bem. Mas o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, foi mais adiante na valorização ao presidente norte-americano, Donald Trump, durante a cúpula da Aliança Atlântica em Haia, na Hola. Simplesmente, ele se referiu ao republicano como "papai" e, em algumas vezes como "querido Donald" e "bom amigo"
As câmeras flagraram Trump e Rutte conversando animadamente, quando o norte-americano comparou Israel e Irã a estudantes, pois se comportariam como "duas crianças no pátio de uma escola". Foi aí que Rutte comentou: "Há momentos em que o papai tem que usar uma linguagem mais dura".
O secretário-geral se referia ao palavrão que Trump falou anteontem quando Israel quebrou o cessar-fogo. "Não sabem que m...estão fazendo", disse o norte-americano, deixando escapar a expressão pouco utilizada em negociações políticas e diplomáticas. Rutte disse que o norte-americano "merece todos os elogios" por tomar uma "ação decisiva" contra o Irã e pressionar os aliados da Otan a aumentar de forma drástica seus gastos militares.
Por fim, Rutte classificou Trump como um "homem de paz" por ter articulado a trégua entre israelenses e iranianos, dois dias depois de o exército americano bombardear por ordem sua três instalações nucleares iranianas.
O caixa
A maioria dos 32 países da Otan se comprometeu a investir em defesa, o equivalente a 5% do PIB nacional até 2035. A Espanha se manifestou contrariamente, alegando ausência de condições, e a contribuição máxima de 2,1%. A Bélgica idem. O valor de 5% será utilizado em dois tipos de despesas. Pelo menos 3,5% irão para compras de armas, salários e pensões das Forças Armadas. Estas despesas correspondem às capacidades militares. Já 1,5% adicional será aplicado em funções militares e civis, como controle de fronteiras e infraestruturas (portos, aeroportos, estradas).
Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor de relações internacionais Universidade de Brasília (UnB) com pesquisas cujos focos são teoria das relações internacionais, segurança internacional e defesa nacional
O presidente Trump conseguiu dobrar todos da Otan para o pagamento de 5% do PIB para segurança e defesa, mais uma vitória?
De início, é preciso esclarecer que a declaração registra a intenção de chegar a 5% de investimento em defesa em 2035, concebidos de maneira ampla: 3,5% em tropas e armas; e 1,5% em infraestrutura, logística, etc. Haverá muito incentivo nesse pacote, não estando claro quanto efetivamente irá para a construção de plataformas de emprego de força. Trump apresentará como uma vitória sua e vem sendo adulado pelo Secretário-Geral da Otan, mas só o tempo dirá o impacto desse processo para a organização. Ele tem em mente forçar os aliados a gastarem em defesa comprando equipamentos de firmas americanas, visando revigorar a indústria de defesa dos EUA. Hoje os europeus destinam cerca de 3/4 de suas compras de equipamentos a firmas americanas. Entretanto, as ameaças a países tradicionalmente aliados e a instabilidade do comportamento do atual governo dos EUA abalaram a confiança dos europeus, que deverão dedicar a maior parte dos investimentos a suas próprias indústrias. Será um longo processo, mas a Europa já está convencida da necessidade de produzir suas próprias armas.
O primeiro-ministro Sánchez tentou reagir, como fica?
A maioria cederá e aumentará os gastos em defesa. Note que há cerca de 10 anos a meta de 2% do PIB parecia muito distante. Graças a Putin e Trump, isso mudou. Em 2014, apenas quatro países da Aliança gastavam mais de 2% de seu PIB em defesa; em 2024, 22 o fizeram. A tendência está posta. Sánchez está sofrendo dificuldades internas também, com escândalos de corrupção, mas terá de ampliar os gastos em defesa. Infelizmente, isso levará a mais instabilidade na região, em decorrência do dilema de segurança.
Grande esforço
Alan Camargo, assessor internacional, analista político, professor da UDF, bacharel em relações internacionais, mestre em política internacional e comparada, doutorando em ciência política
A decisão da Cúpula da Otan de elevar os gastos militares para 5% do PIB dos países-membros representa uma vitória de Trump? Quais as implicações dessa medida?
Essa decisão deve ser compreendida como parte de um esforço mais amplo das potências ocidentais para revitalizar a ordem internacional liberal estabelecida no pós-Segunda Guerra Mundial. Essa ordem, liderada pelos Estados Unidos e sustentada por seus aliados europeus, enfrenta crescentes desafios por parte de potências revisionistas como China e Rússia, além de tensões persistentes no Oriente Médio. Ao ampliar suas despesas militares, a Otan busca não apenas reforçar sua capacidade de dissuasão, mas também reafirmar sua legitimidade como pilar da segurança ocidental ao longo do século 20. A implementação dessa medida enfrenta obstáculos significativos. Internamente, muitos países da aliança lidam com restrições fiscais e demandas sociais crescentes, que, em contextos democráticos, podem limitar a alocação de recursos para a defesa. Soma-se a isso a falta de coesão estratégica entre os membros e a instabilidade política doméstica, que podem comprometer a continuidade do compromisso assumido. Os desafios internos e externos à sua implementação indicam que a medida, embora relevante, está longe de assegurar uma vitória estratégica duradoura para os EUA ou de restaurar plenamente a ordem ocidental. O poder militar continua sendo um instrumento necessário, mas insuficiente, para sustentar a hegemonia em um mundo cada vez mais multipolar.
Dentro desse cenário, o que explica a decisão do governo espanhol e quais as implicações para a decisão conjunta?
Trata-se de um sinal de tensão estratégica dentro da aliança. Em um momento em que a Otan busca reafirmar sua coesão diante de ameaças externas, a posição espanhola expõe os limites da unidade política e os desafios de coordenação entre os membros. Do ponto de vista institucional, a decisão espanhola enfraquece a narrativa de consenso. A aliança, embora baseada em compromissos coletivos, depende da adesão voluntária de seus membros. Quando um país relevante como a Espanha se recusa a seguir uma diretriz estratégica central, isso pode abrir precedentes para que outros membros adotem posturas semelhantes, comprometendo a eficácia da política comum de defesa.
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