Defesa

Otan aprova gasto de 5% do PIB em defesa após pressão de Trump; Espanha fica isolada

Ao dobrar os investimentos em defesa na Otan, ele alega que as 32 nações estarão mais protegidas, mas esbarra na negativa da Espanha. É chamado de "querido" e "papai" pelo secretário da aliança, Mark Bukke, que faz mil elogios

Durante a reunião em Haia, na Holanda, o norte-americano define o acordo firmado como uma
Durante a reunião em Haia, na Holanda, o norte-americano define o acordo firmado como uma "grande vitória para os Estados Unidos" - (crédito: AFP)

Após pressionar e ameaçar quem estava em desacordo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump conseguiu o que tanto queria. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) se comprometeu a repassar 5% do PIB (Produto Interno Bruto) para as despesas com defesa e segurança mediante riscos de conflitos armados. É também uma demonstração de apoio a Trump na disputa de forças com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Porém, isolado, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, recusou-se a apoiar a iniciativa. A reação veio imediatamente.

"Eles (os espanhóis) são os únicos que se recusam a pagar. Vamos fazê-los pagar o dobro", ressaltou o republicano, esquecendo-se de incluir a Bélgica, como outro país resistente ao acordo. Os espanhóis afirmam que a retaliação virá via acordos comerciais. "A Espanha, portanto, não gastará 5% de seu PIB em defesa, mas sua participação, peso e legitimidade na Otan permanecerão intactos", ressaltou Sánchez.

Para Trump, apesar do dissabor com a Espanha, a Cúpula da Otan, em Haia, na Holanda, foi positiva. "Uma grande vitória monumental para os Estados Unidos", resumiu. "Acho que a cúpula foi fantástica, um grande sucesso", acrescentou o norte-americano. O acordo foi finalizado antes da reunião em Haia e depois assinado pelos líderes. Sánchez conseguiu excluir expressões mais densas e manter as neutras.

"Essa é uma aliança mais forte, mais justa", definiu o secretário-geral da aliança, Mark Rutte, após o término da reunião. "O presidente Trump deixou claro: os Estados Unidos estão comprometidos com a Otan. Ao mesmo tempo, deixou claro que os Estados Unidos esperam que os aliados contribuam mais."

A declaração, em que os líderes se comprometem com o repase de até 5% do PIB para despesas militares, contem apenas cinco parágrafos. Os representantes da Espanha e da Bélgica reagiram, informando que não dispões de orçamento para tanto. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, chegou a ser ameaçado por Trump.

O primeiro-ministro espanhol chamou sua meta de gastos de "suficiente, realista e compatível". No entanto, Trump denunciou a posição espanhola como "terrível" e alertou que faria Madri pagar "o dobro" nas negociações comerciais em andamento.

O repasse de até 5% dos respectivos PIBs nacionais até 2035 é ambicioso e histórico. O compromisso exigirá que os membros gastem significativamente mais em sua segurança e aumentem suas capacidades, taxas de fabricação e compras de armas. A meta em vigor de 2% foi alcançada no ano passado por 22 dos países-membros.

Para o professor de relações internacionais da UDF Alan Camargo, a contabilidade é muito mais complexa do que um acordo que define percentuais e investimentos. " Ainda assim, os desafios internos e externos à sua implementação indicam que a medida, embora relevante, está longe de assegurar uma vitória estratégica duradoura para os EUA ou de restaurar plenamente a ordem ocidental."

Ucrânia

Após conversar com Trump, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que pediu apoio para a compra de sistemas de defesa antiaérea americanos e coprodução de drones.Essa foi da primeira reunião entre Trump e Zelenky frente à frente, depois de terem se encontrado em Roma em abril para o velório e enterro do papa Francisco.

"Falamos sobre como alcançar um cessar-fogo e uma paz verdadeira. Conversamos sobre como proteger nosso povo", após mais de três anos desde o início da invasão russa, escreveu Zelensky em suas redes sociais.

Agradar o papai

Elogiar, admirar e alardear as qualidades até aí, tudo bem. Mas o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, foi mais adiante na valorização ao presidente norte-americano, Donald Trump, durante a cúpula da Aliança Atlântica em Haia, na Hola. Simplesmente, ele se referiu ao republicano como "papai" e, em algumas vezes como "querido Donald" e "bom amigo"

As câmeras flagraram Trump e Rutte conversando animadamente, quando o norte-americano comparou Israel e Irã a estudantes, pois se comportariam como "duas crianças no pátio de uma escola". Foi aí que Rutte comentou: "Há momentos em que o papai tem que usar uma linguagem mais dura".

O secretário-geral se referia ao palavrão que Trump falou anteontem quando Israel quebrou o cessar-fogo. "Não sabem que m...estão fazendo", disse o norte-americano, deixando escapar a expressão pouco utilizada em negociações políticas e diplomáticas. Rutte disse que o norte-americano "merece todos os elogios" por tomar uma "ação decisiva" contra o Irã e pressionar os aliados da Otan a aumentar de forma drástica seus gastos militares.

Por fim, Rutte classificou Trump como um "homem de paz" por ter articulado a trégua entre israelenses e iranianos, dois dias depois de o exército americano bombardear por ordem sua três instalações nucleares iranianas. 

 O caixa

A maioria dos 32 países da Otan se comprometeu a investir em defesa, o equivalente a 5% do PIB nacional até 2035. A Espanha se manifestou contrariamente, alegando ausência de condições, e a contribuição máxima de 2,1%. A Bélgica idem. O valor de 5% será utilizado em dois tipos de despesas. Pelo menos 3,5% irão para compras de armas, salários e pensões das Forças Armadas. Estas despesas correspondem às capacidades militares. Já 1,5% adicional será aplicado em funções militares e civis, como controle de fronteiras e infraestruturas (portos, aeroportos, estradas).

Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor de relações internacionais Universidade de Brasília (UnB) com pesquisas cujos focos são teoria das relações internacionais, segurança internacional e defesa nacional

O presidente Trump conseguiu dobrar todos da Otan para o pagamento de 5% do PIB para segurança e defesa, mais uma vitória?

De início, é preciso esclarecer que a declaração registra a intenção de chegar a 5% de investimento em defesa em 2035, concebidos de maneira ampla: 3,5% em tropas e armas; e 1,5% em infraestrutura, logística, etc. Haverá muito incentivo nesse pacote, não estando claro quanto efetivamente irá para a construção de plataformas de emprego de força. Trump apresentará como uma vitória sua e vem sendo adulado pelo Secretário-Geral da Otan, mas só o tempo dirá o impacto desse processo para a organização. Ele tem em mente forçar os aliados a gastarem em defesa comprando equipamentos de firmas americanas, visando revigorar a indústria de defesa dos EUA. Hoje os europeus destinam cerca de 3/4 de suas compras de equipamentos a firmas americanas. Entretanto, as ameaças a países tradicionalmente aliados e a instabilidade do comportamento do atual governo dos EUA abalaram a confiança dos europeus, que deverão dedicar a maior parte dos investimentos a suas próprias indústrias. Será um longo processo, mas a Europa já está convencida da necessidade de produzir suas próprias armas.

O primeiro-ministro Sánchez tentou reagir, como fica?

A maioria cederá e aumentará os gastos em defesa. Note que há cerca de 10 anos a meta de 2% do PIB parecia muito distante. Graças a Putin e Trump, isso mudou. Em 2014, apenas quatro países da Aliança gastavam mais de 2% de seu PIB em defesa; em 2024, 22 o fizeram. A tendência está posta. Sánchez está sofrendo dificuldades internas também, com escândalos de corrupção, mas terá de ampliar os gastos em defesa. Infelizmente, isso levará a mais instabilidade na região, em decorrência do dilema de segurança.

Grande esforço

Alan Camargo, assessor internacional, analista político, professor da UDF, bacharel em relações internacionais, mestre em política internacional e comparada, doutorando em ciência política 

A decisão da Cúpula da Otan de elevar os gastos militares para 5% do PIB dos países-membros representa uma vitória de Trump? Quais as implicações dessa medida?

Essa decisão deve ser compreendida como parte de um esforço mais amplo das potências ocidentais para revitalizar a ordem internacional liberal estabelecida no pós-Segunda Guerra Mundial. Essa ordem, liderada pelos Estados Unidos e sustentada por seus aliados europeus, enfrenta crescentes desafios por parte de potências revisionistas como China e Rússia, além de tensões persistentes no Oriente Médio. Ao ampliar suas despesas militares, a Otan busca não apenas reforçar sua capacidade de dissuasão, mas também reafirmar sua legitimidade como pilar da segurança ocidental ao longo do século 20. A implementação dessa medida enfrenta obstáculos significativos. Internamente, muitos países da aliança lidam com restrições fiscais e demandas sociais crescentes, que, em contextos democráticos, podem limitar a alocação de recursos para a defesa. Soma-se a isso a falta de coesão estratégica entre os membros e a instabilidade política doméstica, que podem comprometer a continuidade do compromisso assumido. Os desafios internos e externos à sua implementação indicam que a medida, embora relevante, está longe de assegurar uma vitória estratégica duradoura para os EUA ou de restaurar plenamente a ordem ocidental. O poder militar continua sendo um instrumento necessário, mas insuficiente, para sustentar a hegemonia em um mundo cada vez mais multipolar.

Dentro desse cenário, o que explica a decisão do governo espanhol e quais as implicações para a decisão conjunta?

Trata-se de um sinal de tensão estratégica dentro da aliança. Em um momento em que a Otan busca reafirmar sua coesão diante de ameaças externas, a posição espanhola expõe os limites da unidade política e os desafios de coordenação entre os membros. Do ponto de vista institucional, a decisão espanhola enfraquece a narrativa de consenso.  A aliança, embora baseada em compromissos coletivos, depende da adesão voluntária de seus membros. Quando um país relevante como a Espanha se recusa a seguir uma diretriz estratégica central, isso pode abrir precedentes para que outros membros adotem posturas semelhantes, comprometendo a eficácia da política comum de defesa.


  •  US President Donald Trump addresses a press conference during a North Atlantic Treaty Organization (NATO) Heads of State and Government summit in The Hague on June 25, 2025. (Photo by NICOLAS TUCAT / AFP)
    US President Donald Trump addresses a press conference during a North Atlantic Treaty Organization (NATO) Heads of State and Government summit in The Hague on June 25, 2025. (Photo by NICOLAS TUCAT / AFP) Foto: AFP
  •  (Front row from 5L) Netherlands' Prime Minister Dick Schoof, NATO Secretary General Mark Rutte, US President Donald Trump, Britain's Prime Minister Keir Starmer, Turkey's President Recep Tayyip Erdogan pose NATO country leaders for a family photo during the North Atlantic Treaty Organization (NATO) Heads of State and Government summit in The Hague, on June 25, 2025. NATO leaders hold a two-day summit on June 24 and 25 in The Hague. (Photo by NICOLAS TUCAT / AFP)
    (Front row from 5L) Netherlands' Prime Minister Dick Schoof, NATO Secretary General Mark Rutte, US President Donald Trump, Britain's Prime Minister Keir Starmer, Turkey's President Recep Tayyip Erdogan pose NATO country leaders for a family photo during the North Atlantic Treaty Organization (NATO) Heads of State and Government summit in The Hague, on June 25, 2025. NATO leaders hold a two-day summit on June 24 and 25 in The Hague. (Photo by NICOLAS TUCAT / AFP) Foto: AFP
postado em 26/06/2025 06:00
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