Estados Unidos

Justiça abre caminho para demissões em massa no governo Trump

Suprema Corte avaliza agências federais a seguirem com o programa de reestruturação do governo Trump, que deverá dispensar dezenas de milhares de funcionários públicos. Especialistas veem medida como ameaça aos limites constitucionais

Funcionários dispensados deixam o prédio do Departamento de Saúde com seus pertences, em Washington  -  (crédito: Kevin Dietsch/Getty Images/AFP)
Funcionários dispensados deixam o prédio do Departamento de Saúde com seus pertences, em Washington - (crédito: Kevin Dietsch/Getty Images/AFP)

De maioria conservadora, a Suprema Corte dos Estados Unidos não impôs obstáculos para que o governo de Donald Trump siga com a demissão em massa de servidores federais e o programa de reestruturação em 19 agências federais e departamentos. A máxima instância do Judiciário anulou a decisão de uma instância inferior que havia temporariamente bloqueado as dispensas de dezenas de milhares de funcionários públicos. Apesar do caráter temporário, a decisão dos juízes funciona como uma espécie de teste para Trump levar adiante suas políticas mais polêmicas sem necessidade de aprovação do Congresso.

É a segunda vitória do presidente republicano em 11 dias — em 27 de junho, a Suprema Corte havia limitado a habilidade dos juízes de bloquearem as políticas de Trump em âmbito nacional. Tecnicamente, Trump poderia manter o enxugamento da máquina pública mesmo que, mais tarde, os próprios magistrados concluam que ele excedeu o poder presidencial. 

A medida deverá impactar, principalmente, os quadros dos Departamentos de Agricultura, Comércio, Saúde e Serviços Humanos, Estado, Tesouro e Assuntos de Veteranos — todos eles com status semelhantes aos de ministérios. A coalizão Democracy Forward denunciou uma "reorganização ilegal" do governo federal. "A decisão de hoje desferiu um duro golpe à nossa democracia e coloca em grave risco os serviços dos quais o povo americano depende", afirmou, por meio de um comunicado. Segundo a Democracy Forward, a reorganização do governo federal e a demissão em massa de funcionários federais e aleatoriamente, sem qualquer aprovação do Legislativo, não é permitida pela Constituição americana. 

Por sua vez, a entidade apartidária e sem fins lucrativos Partnership for Public Service ("Parceria para o Serviço Público"), sediada em Washington, advertiu sobre o risco de Trump continuar com sua "demolição imprudente das agências federais, fazendo uma paródia da separação constitucional de poderes". "Haverá danos irreparáveis ao povo americano, como estamos experimentando", declarou Max Stier, presidente e CEO da entidade. 

"Sinal verde"

Especialista em política pública e gestão pública e professor emérito da Universidade de Maryland, Donald F. Kettl esclareceu ao Correio que a Suprema Corte não aprova as demissões em massa no governo federal, mas também não as impede. "A administração Trump agora tem sinal verde para realizar o que seria um corte de dezenas de milhares de postos de trabalho na esfera federal. Isso será a maior redução na força da história dos Estados Unidos", comentou, por e-mail. "Dada a decisão da Corte, será muito difícil para os juízes decidirem, posteriormente, que ele foi longe demais. Seria necessário um alargamento verdadeiramente flagrante dos limites constitucionais para que tentassem controlar o presidente. A decisão é de enorme importância."

Noah Rosenblum, professor de direito da Universidade de Nova York, disse à reportagem que, apesar de ter permitido que as agências federais prossigam com a formulação de planos para as demissões, a Suprema Corte foi explícita ao afirmar que ainda não se pronunciou sobre a legalidade de qualquer desligamento em massa. "É óbvio que Trump e seus assessores não fizeram segredo de que pretendem realizar as demissões e 'desconstruir o Estado administrativo' — embora pareça mais provável que pretendam, na verdade, desmantelar programas desfavorecidos, como a proteção ambiental e a rede de segurança social, em vez de construir programas administrativos dos quais gostem, como o Serviço de Imigração e Fiscalização Aduaneira. A decisão facilita isso e deixa a porta aberta para que os tribunais o impeçam."

Segundo Rosenblum, este é mais um exemplo da Suprema Corte intervindo para ajudar o presidente, depois que tribunais inferiores o impediram de "fazer algo ilegal". "É um lembrete sombrio de que a Suprema Corte, lamentavelmente, está em desacordo não apenas com o povo, mas também com outros juízes. Isso também destaca o sucesso com que as elites jurídicas conservadoras tomaram o controle do Judiciário americano."

EU ACHO...

Donald F. Kettl, especialista em política pública e gestão pública e professor emérito da Universidade de Maryland
Donald F. Kettl, especialista em política pública e gestão pública e professor emérito da Universidade de Maryland (foto: Arquivo pessoal )

"A decisão da Suprema Corte é importante, mas tem implicações ainda maiores. O presidente vem afirmando ter amplos poderes para dirigir o Poder Executivo, e a decisão da Suprema Corte remove uma barreira importante aos seus esforços. A Suprema Corte está se afastando da tentativa de retardá-lo ou detê-lo, pelo menos nesta parte de seus esforços."

Donald F. Kettl, especialista em política pública e gestão pública e professor emérito da Universidade de Maryland 

Noah Rosenblum, professor de direito da Universidade de Nova York
Noah Rosenblum, professor de direito da Universidade de Nova York (foto: Arquivo pessoal )

"Minha opinião é que a linguagem de Donald Trump sobre 'reestruturação' é enganosa. Ele e seu partido parecem interessados principalmente em lealdade pessoal e em poder partidário.  Obviamente, isso resulta em um governo ruim. Também é ilegal: os EUA do século 19 operavam dessa forma, e aprovamos leis de serviço cruciais para mudar isso. Naquela época, o Partido Republicano era defensor dessas reformas. A versão atual do partido trai seus antecessores. No processo, mina o Estado de Direito e enfraquece o próprio governo."

Noah Rosenblum, professor de direito da Universidade de Nova York

Novas reuniões com Netanyahu para viabilizar trégua em Gaza

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, voltaram a se encontrar, na tarde desta terça-feira (8/7), para debater uma possível trégua na Faixa de Gaza e o futuro do enclave palestino. A reunião durou mais de uma hora e, até o fechamento desta edição, não havia detalhes. O que se sabia era que J.D. Vance participou das conversas de ontem, no Salão Oval da Casa Branca. À noite, Trump e Netanyahu voltaram a conversar, durante um jantar.

Antes da reunião da tarde, Trump voltou a pressionar o visitante. "É uma tragédia, e ele (Netanyahu) quer resolvê-la, e eu quero resolvê-la, e acho que a outra parte também", disse o republicano a jornalistas. No início do primeiro encontro, na segunda-feira (7/7), o premiê israelense afirmou que trabalha com os EUA para "encontrar países que dariam aos palestinos um futuro melhor". Ele também revelou que nomeou Trump como candidato ao Prêmio Nobel da Paz. 

Donald Trump e Benjamin Netanyahu conversam no Salão Oval da Casa Branca: promessa de "futuro melhor" para palestinos
Trump e Netanyahu conversam no Salão Oval da Casa Branca (foto: Governo de Israel )

Na véspera, Netanyahu anunciou que ele e Trump iniciaram consultas a outras nações para que abriguem a população de Gaza, após a guerra. O líder israelense disse que, "se as pessoas quiseem ficar (em Gaza), podem ficar, mas se quiserem, devem sair". "Não deveria ser uma prisão", declarou. No entanto, garantiu que o poder soberano da segurança de Gaza ficará para sempre nas mãos de Israel.  

Apesar do otimismo de Trump, que chegou a estimar um cessar-fogo ainda nesta semana, o país mediador de um acordo exibiu cautela e advertiu que as conversas indiretas entre Israel e Hamas "exigirão tempo". O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar afirmou que os responsáveis pela mediação conversam "seaparadamente" com as delegações, em Doha. O objetivo primário é "estabelecer uma estrutura para as discussões". "Posso lhes dizer que precisamos de tempo para isso." 

"Criminoso"

Professor de relações internacionais e especialista em Oriente Médio pela Universidade de Nova York, Alon Ben-Meir não economizou críticas aos planos de Israel e EUA para os moradores de Gaza. "Arrancá-los de suas terras, apenas para satisfazer a ânsia israelense por mais terras palestinas, é criminoso. Tenho certeza de que Trump e Netanyahu não conseguirão implementar uma ideia tão desprezível", disse.

Ao mesmo tempo, Ben-Meir afirmou crer que um cessar-fogo somente ocorrerá se Trump insitir. "Pelo que sei, Trump quer um cessar-fogo, e é bem possível que seja alcançado; ainda pode levar algum tempo, porque o principal obstáculo é o que ocorrerá quando a trégua de dois meses expirar", explicou. Segundo ele, o maior entrave está no fato de o Hamas querer prosseguir com as negociações para obter um fim permanente das hostilidades, enquanto Netanyahu rejeita esse cenário. "O premiê e seus ministros de extrema-direita ainda sonham com uma 'vitória total' sobre o Hamas, porque desejam colonizar Gaza com judeus isralenses, o que não acredito ser possível."

Ben-Meir cita outros temas conflituosos, como a extensão da retirada das tropas de Israel; a proporção de reféns israelenses e de prisioneiros paelstinos libertados; e a demanda do Hamas sobre a necessidade de entrada suficiente de alimentos, combustíveis, água potável e medicamentos em Gaza. "Esses assuntos secundários estão perto de serem resolvidos. Na análise final, se Trump se impuser e insistir em um cessar-fogo, Netanyahu não poderá desafiá-lo."

Diretor do Programa de Terrorismo, Ameaças Irregulares e Combate do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), Daniel Byman aposta que uma trégua será anunciada em breve. "Netanyahu está em uma posição política mais forte do que esteve antes da guerra, o que facilita com que ele resista às demandas de sua coalizão", disse ao Correio

Eytan Gilboa, professor de relações internacionais da Universidade de Bar-Ilan, em Ramat Gan (perto de Tel Aviv), admitiu ao Correio que Trump considera o fim da guerra uma prioridade para levar adiante seu plano de paz abrangente para o Oriente Médio. "Ele quer incluir Israel, Arábia Saudita. Síria e Líbano", comentou.

O especialista classifica como "necessária" a ideia do ministro da Defesa israelense, Israel Katz, de construir uma "cidade humanitária" para abrigar 600 mil palestinos, sobre as ruínas de Rafah, no sul de Gaza."O Hamas não se importa nem um pouco com os moradores da Faixa de Gaza: continua roubando comida, água, remédios e vendendo a preços exorbitantes." (RC)

  • Donald F. Kettl, especialista em política pública e gestão pública e professor emérito da Universidade de Maryland
    Donald F. Kettl, especialista em política pública e gestão pública e professor emérito da Universidade de Maryland Foto: Arquivo pessoal
  • Noah Rosenblum, professor de direito da Universidade de Nova York
    Noah Rosenblum, professor de direito da Universidade de Nova York Foto: Arquivo pessoal
  • Trump e Netanyahu conversam no Salão Oval da Casa Branca
    Trump e Netanyahu conversam no Salão Oval da Casa Branca Foto: Governo de Israel
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postado em 09/07/2025 05:50
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