
Uma geração inteira de crianças palestinas está ameaçada de sofrer danos mentais, físicos e sociais permanentes provocados pela fome em massa prolongada, advertiram especialistas. De acordo com o Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (PMA), um em cada três moradores da Faixa de Gaza estão há dias sem comer. São 700 mil palestinos sem qualquer tipo de acesso a alimentos. "A crise alimentar em Gaza atingiu níveis de desespero sem precedentes. Quase uma em cada três pessoas não come por vários dias. A desnutrição está aumentando consideravelmente, com 90 mil mulheres e crianças que necessitam de tratamento urgente", indicou o PMA por meio de um comunicado enviado à AFP. Nesta sexta (25/7), mais nove crianças morreram de fome, em Gaza. Nas últimas três semanas, foram 57 mortos — 35 adultos e 22 crianças.
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A organização não governamental Médicos sem Fronteiras (MSF) anunciou que triplicou o número de crianças com menos de 5 anos que deram entrada na clínica da ONG, na Cidade de Gaza, com um quadro de grave desnutrição. Um quarto de todas as gestantes ou lactantes monitoradas pela MSF no território palestino também sofre de desnutrição.
Comissário-geral da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), Philippe Lazzarini denunciou, nesta sexta-feira (25/7), uma fome em massa construída e deliberada em Gaza. "Hoje, mais crianças morreram, com seus corpos emaciados pela fome", lamentou. "O sistema de distribuição de comida falho (GHF) não foi planejado para abordar a crise humanitária. Ele serve a propósitos militares e políticos. É cruel, à medida que leva mais vidas do que salva", acrescentou, em alusão à Fundação Humanitária de Gaza, a organização não governamental em cujos centros de distribuição quase mil palestinos foram assassinados por disparos de tanques e de drones israelenses. "Israel controla todos os aspectos do acesso humanitário, seja fora ou dentro de Gaza. (...) Hoje, a UNRWA tem o equivalente a 6 mil caminhões com comida e assistência médica presos no Egito e na Jordânia."
Um dos maiores especialistas em fome no mundo, o britânico Alex DeWaal — diretor executivo da ONG World Peace Foundation — afirmou ao Correio que tem estudado o tema e as crises humanitárias há mais de quatro décadas. "Quase todas as fomes modernas são produzidas pelo homem, no contexto de conflitos, e usadas rotineiramente como arma de guerra. O que torna Gaza única nos anais da fome é a extensão em que a fome ali é meticulosamente planejada, minuciosamente arquitetada, para infligir privação individual e trauma social aos palestinos de Gaza", explicou.
Ele destacou que a fome é um fenômeno tanto biológico quanto social. "É tanto a experiência do corpo se definhando quanto a experiência coletiva de desumanização, de destruição do tecido social. Quando a fome é usada como arma de guerra, o propósito mais comum não é matar as pessoas de fome, mas destruir a sociedade que está sob ataque", advertiu o estudioso, autor de Mass starvation: the history and future of famine ("Fome em massa: a história e o futuro da fome").
DeWaal lembrou que milhares de caminhões com ajuda humanitária aguardam para cruzar a fronteira de Israel com Gaza ou esperam a liberação de documentos em postos de detenção dentro do território palestino. "A comunidade internacional detém os recursos, as habilidades, as redes e os planos para fornecer um fluxo maciço de assistência essencial ainda amanhã (sábado). Basta que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu dê a palavra e todas as crianças de Gaza poderão estar tomando café da manhã", alertou.
De acordo com o jornal israelense Haaretz, o desespero por comida chegou a tal ponto que muitos palestinos trocam seus bens mais valiosos por um pouco de alimento. Abu Saleh, pai de quatro crianças de 1 a 11 anos, decidiu trocar um pacote de 40 fraldas por um quilo de açúcar, apesar de a filha ainda precisar do acessório. Muitas famílias tentam garantir a sobrevivência e se desfazer de pertences agora considerados supérfluos ou menos necessários.
Restrições
Em nota conjunta, os governos de Reino Unido, Alemanha e França exortaram Israel a levantar "imediatamente" as restrições às entregas de ajuda em Gaza. "A catástrofe humanitária que estamos testemunhando em Gaza deve terminar imediatamente", afirma a nota. "Pedimos ao governo israelense que suspenda imediatamente as restrições à distribuição de ajuda e permita urgentemente que a ONU e as ONGs humanitárias realizem seu trabalho de combate à fome", acrescentaram.
Para DeWaal, o governo de Israel parece confiante que pode atuar com total impunidade. "A maioria da população israelense parece em profunda negação sobre a profundidade do sofrimento que está sendo infligido aos palestinos de Gaza. Acredito ser de vital importância que os israelenses, e todos aqueles que os apoiam ou simpatizam com eles, abram os olhos para o sofrimento dos outros. Aqueles que desumanizam os outros, desumanizam a si mesmos", advertiu.
EU ACHO...
"A campanha militar montada pelas Forças de Defesa de Israel (IDF), junto com a destruição de objetos indispensáveis à sobrevivência da população civil e o repetido deslocamento forçado de comunidades, aponta para uma intenção que vai muito além de derrotar o Hamas. Indica a intenção de desmantelar uma comunidade política e social funcional em Gaza, ou mesmo remover completamente o povo palestino de Gaza."
Alex DeWaal, diretor executivo da ONG World Peace Foundation e um dos maiores especialistas em fome no mundo
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