Oriente Médio

Israel comete genocídio em Gaza, denunciam ONGs israelenses

Relatórios divulgados pela B'Tselem e pela Médicos pelos Direitos Humanos acusam o Estado judeu de destruir o futuro dos palestinos. Governo Netanyahu rejeita conclusão e culpa o Hamas. Também pela primeira vez, Trump reconhece existência de fome em massa no território ocupado

Há um genocídio em curso na Faixa de Gaza cometido por Israel. A conclusão é de duas organizações não governamentais (ONGs) israelenses — a B'Tselem e a Physicians for Human Rights ("Médicos pelos Direitos Humanos") — que divulgaram relatórios distintos. O documento produzido pela B'Tselem, instituição com mais de 35 anos de existência, é uma compilação de uma pesquisa baseada em declarações, estatísticas e eventos políticos de Israel "por mais de 20 meses". Por sua vez, o informe da Physicians for Human Rights focou-se na "destruição deliberada e sistemática do sistema de saúde de Gaza". É a primeira vez que ONGs israelenses acusam o próprio país de genocídio. David Mencer, porta-voz do governo de Israel, rejeitou "firmemente esta acusação". "Não tem nenhum sentido enviarmos 1,9 milhão de toneladas de ajuda se houvesse uma intenção de genocídio", rebateu. "Nossas forças de defesa atacam os terroristas e nunca os civis. O Hamas é responsável pelo sofrimento em Gaza." 

Também nesta segunda-feira (28/7), horas depois de o premiê Benjamin Netanyahu negar a existência de fome em massa em Gaza, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reconheceu que o fenômeno é "real". "Podemos salvar um monte de gente, eu digo, alguns desses garotos. Aquilo é fome de verdade; eu vejo isso e você não pode fingir. Então, vamos nos envolver ainda mais", prometeu o republicano, durante reunião com o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, em um resort de golfe na Escócia. Apesar da rara discordância de Israel, os Estados Unidos classificaram como um "golpe publicitário" uma conferência de três dias patrocinada pela França e pela Arábia Saudita na ONU para promover uma solução de dois Estados para o conflito entre palestinos e israelenses. No início do evento, o ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Noël Barrot, destacou que "apenas uma solução política de dois Estados permite responder às legítimas aspirações de israelenses e palestinos de viver em paz e segurança". A França anunciou que reconhecerá o Estado palestino em setembro. 

<p><strong><a href="https://whatsapp.com/channel/0029VaB1U9a002T64ex1Sy2w">Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais not&iacute;cias do dia no seu celular</a></strong></p>

Em seu dossiê, a B'Tselem cita que, após análise da política israelense na Faixa de Gaza, chegou à conclusão "inequívoca" de que Israel "realiza uma ação coordenada destinada a destruir intencionalmente a sociedade palestina na Faixa de Gaza". Diretor de Divulgação Pública da B'Tselem, Shai Parnes explicou ao Correio que, desde o primeiro dia do ataque de Israel à Faixa de Gaza, em 7 de outubro de 2023, oficiais das Forças de Defesa de Israel, primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o presidente Isaac Herzog, o ministro da Defesa Yoav Gallant e o chefe do Estado-Maior pronunciaram a palavra "Amaleque". "Todo israelense sabe o que isso significa: uma ordem bíblica para os judeus mataram todos, inclusive crianças, mulheres e até mesmo animais. Herzog chegou a afirmar que há uma nação inteira responsável pelo massacre no sul de Israel. Comandantes militares e parlamentares também declararam que não existem pessoasem Gaza que não estejam envolvidas no massacre", disse, por telefone. 

Colapso

De acordo com Parnes, os indícios de genocídio não se resumem às declarações das autoridades de Israel. "O que vemos no terreno, nos últimos 22 meses, mostra que Israel age em conformidade com essas falas. Não falamos apenas do assassinato em massa de 60 mil palestinos, o que acreditamos ser subestimado. Estamos falando do fato de cidades inteiras terem sido varridas do mapa, como Rafah. Estamos falando da destruição, por parte de Israel, dos sistemas educacional e sanitário de Gaza", explicou. "Israel não está apenas matando e destruindo Gaza. Israel destrói o futuro de Gaza e impõe a fome a 2 milhões de palestinos, incluindo 1 milhão de crianças. Isso não é uma guerra de autodefesa, é um genocídio contra qualquer palestino na Faixa de Gaza."

Parnes disse ser fato que a comunidade internacional nada tem feito para deter as atrocidades israelenses e o "genocídio" em Gaza. "Alguns líderes têm falado sobre isso, mas não tomam uma atitude. A comunidade internacional não somente fracassou em seu papel de proteger vidas humanas, como violou a sua obrigação de fazer algo. Alguns governantes ocidentais chegaram a ajudar Israel. O que precisa ser feito é os líderes da comunidade internacional agirem imediatamente para deter esse genocídio", acrescentou o diretor da B'Tselem. 

AFP - Garoto acaricia o pescoço de um burro em meio aos escombros em área atingida por ataque aéreo, na mesma cidade

Para Itamar Mann — conselheiro jurídico da ONG Physicians for Human Rights ("Médicos pelos Direitos Humanos", pela tradução literal) e coautor do relatório que acusa Israel de genocídio —, o Estado judeu pratica genocídio em Gaza há muito tempo. "Temos trabalhado com médicos da Cidade de Gaza e com profissionais da área de saúde em outras localidades da Faixa de Gaza que têm estado sob ataque de Israel desde 7 de outubro de 2023. Vemos um padrão de bombardeios a hospitais e poucas evidências de que o Hamas esteja usando esses estabelecimentos para fins militares. Apesar desse fato, Israel alega que os ataques a hosptais foram legais, segundo o direito humanitário e internacional", declarou ao Correio, também por telefone. 

Mann acrescentou que as ações militares israelenses afetarão toda a população de Gaza no futuro. "Israel cria condições de vida no território para destruir um grupo completa ou parcialmente. A destruição das instalações médicas parece ter exatamente esse propósito. Chegamos à conclusão de que isso é um exemplo de genocídio, segundo a Convenção sobre Genocídio de 1948", comentou. "Não acho que Israel queira matar todos os palestinos de Gaza, mas suas atitudes se encaixam nos termos legais da Convenção. Por isso, fizemos o relatório e nos baseamos na Convenção."

Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil, advertiu à reportagem que "a dor atingiu o seu limite". "Basta! O que está acontecendo em Gaza é uma mancha na consciência humana que não será apagada com o silêncio. Exigimos ação imediata da comunidade internacional — especialmente dos Estados Unidos — para acabar com essa catástrofe, abrir as passagens fronteiriças sem condições para a entrada de ajuda humanitária e responsabilizar aqueles que usam a fome como arma contra um povo indefeso", declarou. "Recebemos com satisfação o fato de Trump reconhecer a existência da fome, mas, por si só, isso não é suficiente. É necessário que isso se traduza em ações políticas concretas e urgentes para interromper a agressão genocida."

Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e potencial sucessor do presidente Mahmud Abbas, disse ao Correio que 60 palestinos foram mortos ontem, 26 deles enquanto tentavam obter ajuda humanitária. "O jornal israelense Haaretz divulgou que Netanyahu propôs ao gabinete a anexação gradual de Gaza a Israel. Isso explica sua insistência em continuar a guerra genocida e confirma sua intenção declarada de conduzir o crime de guerra de limpeza étnica de toda a população de Gaza."

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Shai Parnes, diretor de Divulgação Pública da ONG israelense B'Tselem

"Genocídio não é apenas um assassinato em massa de um grupo. Genocídio é a destruição de um grupo, de forma que ele não mais possa funcionar enquanto grupo. É exatamente isso o que vemos Israel fazer em Gaza. Israel esta destruindo as escolas de Gaza e o sistema educacional. Israel destrói cada hospital de Gaza e colapsa a sociedade palestina em tantos aspectos e de tantas formes, incluindo a fome em massa e o bloqueio completo, que o que estamos vendo é bombardeios imensos e assassinatos em massa. O genocídio israelense está colapsando os palestinos enquanto grupo e sociedade."

Shai Parnes, diretor de Divulgação Pública da ONG israelense B'Tselem 

Arquivo pessoal - Itamar Mann, conselheiro jurídico da ONG israelense Physicians for Human Rights

"Falando mais na condição de acadêmico, precisamos entender que Israel e Gaza têm um longo histórico de conflitos. Em 7 de outubro de 2023, o conflito mudou de engrenagem. A sociedade israelense tornou-se determinada a realizar uma vingança em massa e a pôr fim a uma ameaça real vinda de Gaza, eliminando o Hamas. À medida que o tempo passou, Israel não fez nenhum esforço de encontrar uma facção que controlasse Gaza. A campanha prosseguiu sem nenhum objetivo à vista. Em fevereiro passado, Trump e Netanyahu prometeram deportar a população de Gaza. Os meios para eles alcançarem isso têm sido os assassinatos, a fome e a destruição de todo o sistema de saúde."

Itamar Mann, conselheiro jurídico da ONG israelense Physicians for Human Rights 

DEPOIMENTO

Por ações políticas concretas

"Recebemos com satisfação a declaração do presidente Donald Trump, ao reconhecer a existência da fome na Faixa de Gaza. Consideramos essa afirmação um passo importante, pois rompe com o estado de negação adotado por Israel e alguns cúmplices, diante da catástrofe humanitária em curso. Entretanto, reiteramos que o reconhecimento, por si só, não é suficiente. É necessário que esse posicionamento se traduza em ações políticas concretas e urgentes para interromper a agressão genocida israelense, suspender imediatamente o bloqueio e acabar com a política sistemática de fome usada como arma contra mais de dois milhões de civis em Gaza.

Evaristo Sá/AFP - Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil

O presidente Trump, como figura influente de uma potência mundial, tem uma responsabilidade moral e histórica diante dessa tragédia. Ele possui os meios — se houver vontade — para contribuir efetivamente com o fim da guerra, do cerco e da fome. Também deve responder aos apelos de milhões de pessoas em todo o mundo — de povos, de organizações e de vozes livres — que exigem o fim deste crime contínuo. 

As pessoas em Gaza não estão morrendo apenas sob os bombardeios, mas também enquanto esperam em filas por pão, correm atrás de caminhões de farinha ou procuram  desesperadamente por água potável. Esta realidade diária representa um genocídio em
andamento e crimes de guerra cometidos à vista de todos."

Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil 

EUA ameaçam Irã com novos bombardeios

Durante o encontro bilateral com o premiê britânico, Keir Starmer, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, subiu o tom em relação ao Irã e ameaçou o regime teocrático islâmico com novos ataques aéreos. O líder republicano acusou o Irã de "enviar sinais muito ruins e mal intencionados". "Eles não deveria fazer isso. Aniquilamos suas capacidades nucleares. Podem começar de novo, mas se o fizerem, as aniquilaremos em um piscar de olhos", ameaçou. "Faremos isso com prazer, abertamente e com alegria."

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, advertiu que seu país responderá "de maneira mais decisiva" em caso de novos ataques dos Estados Unidos e de Israel. "Se a agressão se repetir, não hesitaremos em reagir de maneira mais decisiva", escreveu o ministro iraniano em uma mensagem publicada no X. "Se há receios sobre um possível desvio de nosso programa nuclear para fins não pacíficos, a opção militar demonstrou ser ineficaz, mas uma solução negociada poderia funcionar", acrescentou.

Em 13 de junho passado, Israel lançou uma campanha de bombardeios sem precedentes contra o Irã, matando militares do alto escalão e cientistas relacionados ao programa nuclear iraniano, além de centenas de civis. Teerã respondeu com mísseis e drones disparados contra Israel. A guerra durou 12 dias.

Israel disse que atacou o programa nuclear iraniano, considerado como uma ameaça existencial, e não descartou novos bombardeios se o Irã tentar reconstruir suas instalações. Os Estados Unidos, por sua vez, bombardearam instalações nucleares importantes em Fordo, Isfahan e Natanz, no Irã.

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) afirma que o Irã é o único país sem armas nucleares que enriquece urânio a 60%. Para fabricar uma bomba, o enriquecimento deve ser a 90%. Israel e as potências ocidentais acusam o regime teocrático islâmico de querer se dotar de armas nucleares, alegação que o Irã rejeita há anos.

Também ontem, Teerã declarou que não discutirá suas capacidades de defesa com governos ocidentais, após a França ter pedido um "acordo global" que incluísse o programa de mísseis balísticos de Teerã e sua influência regional. "Nada relacionado às nossas capacidades de defesa pode ser discutido", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Esmail Baqai, a repórteres. 

https://www.correiobraziliense.com.br/webstories/2025/04/7121170-canal-do-correio-braziliense-no-whatsapp.html 

Mais Lidas

AFP - Garoto acaricia o pescoço de um burro em meio aos escombros em área atingida por ataque aéreo, na mesma cidade
Fotos: Arquivo pessoal - Shai Parnes, diretor de Divulgação Pública da ONG israelense B'Tselem
Arquivo pessoal - Itamar Mann, conselheiro jurídico da ONG israelense Physicians for Human Rights
Evaristo Sá/AFP - Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil