
Depois de reconhecer a existência de fome na Faixa de Gaza, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, praticamente condicionou o fim da crise humanitária no enclave palestino à capitulação do grupo terrorista Hamas. "A maneira mais rápida de acabar com a crise humanitária em Gaza é o Hamas se render e libertar os reféns!!!", escreveu o republicano em sua plataforma Truth Social. Nesta sexta-feira (1º/8), o enviado especial da Casa Branca ao Oriente Médio, Steve Witkoff, e o embaixador americano em Israel, Mike Huckabee, entrarão em Gaza para supervisionar a entrega de ajuda humanitária. O site The Atlantic publicou um relatório no qual afirma que Trump suspeita de que o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, esteja prolongando a guerra para conseguir ganhos políticos.
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Sob condição de anonimato, duas autoridades da Casa Branca disseram ao The Atlantic que o presidente considera que os objetivos de Israel em Gaza foram alcançados há muito tempo e que Netanyahu continuou com a guerra "para manter o próprio poder político". Os assessores de Trump admitiram que a Casa Branca "também acredita que Netanyahu tem tomado passos para interferir em um potencial acordo de cessar-fogo".
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Na esteira da França, do Reino Unido e do Canadá, Portugal anunciou a intenção de reconhecer o Estado Palestino em setembro. "Portugal está considerando reconhecer o Estado Palestino, como parte de um procedimento que poderá ser concluído durante a Assembleia Geral da ONU", afirmou um comunicado assinado pelo primeiro-ministro português, Luís Montenegro. Segundo o gabinete do premiê, a decisão foi tomada depois de "múltiplos contatos" com parceiros, dados "os desenvolvimentos extremamente preocupantes do conflito, tanto do ponto de vista humanitário quanto devido às repetidas alusões a uma possível anexação de territórios palestinos" por Israel.
Também nesta quinta-feira (31/7), a Eslovênia tornou-se a primeira nação da União Europeia (UE) a anunciar a proibição de todo o comércio de armas com Israel devido à guerra em Gaza. "A Eslovênia é o primeiro país europeu a proibir a importação, a exportação e o trânsito de armas para e de Israel", declarou o governo em um comunicado. "Em meio à devastadora guerra em Gaza, é dever de todo Estado responsável tomar medidas."
Em nota enviada ao Correio, o Hamas declarou que "a resistência e suas armas constituem um direito nacional e legal enquanto durar a ocupação". "Não se pode abrir mão deste direito senão com a restituição plena dos nossos direitos e o estabelecimento do nosso Estado soberano e independente", afirmou a facção. "O fim da guerra genocida e da limpeza étnica, seguido pela eliminação da ocupação, é o primeiro passo de qualquer iniciativa internacional séria."
Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York, Alon Ben-Meir afirmou que Trump "simplesmente não tem qualquer pista sobre o pensamento e o objetivo final do Hamas". "Acredito que o Hamas não se renderá agora nem nunca. Israel quase dizimou a organização, mas ela ainda está em Gaza, e Israel está negociando com o Hamas, ainda que indiretamente, para libertar os reféns. Se isso não sugere que o Hamas tenha alguma influência, não sei o que sugere", disse ao Correio. "Mesmo que Israel consiga matar o último dos combatentes do Hamas, ele é um movimento com uma ideologia que não pode ser destruída."
De acordo com Ben-Meir, há muito tempo ficou claro que Netanyahu tem prolongado e continua a prolongar a guerra para obter ganhos políticos pessoais. "Dois de seus ministros mais extremistas — Itamar Ben-Gvir (Segurança) e Bezalel Smotrich (Finanças) — lhe disseram repetidamente que, se ele encerrasse a guerra antes de liquidar o Hamas, eles deixariam o governo e precipitariam seu colapso. É algo que Netanyahu pretende evitar a todo custo", destacou.
O professor da Universidade de Nova York lembrou que Netanyahu enfrenta três acusações criminais e uma comissão de inquérito sobre o ataque do Hamas ocorrido sob sua gestão. "Uma vez fora do poder, ele poderá acabar preso. Enquanto isso, centenas de soldados israelenses e milhares de cidadãos palestinos têm sido assassinados, o que poderia ter sido evitado se ele tivesse concordado em aceitar um cessar-fogo permanente e encerrado a guerra", acrescentou Ben-Meir.
Aaron David Miller, especialista em Oriente Médio do Woodrow Wilson International Center (em Washington), disse ao Correio que Trump tem muitas reservas em relação a Netanyahu. "No entanto, não o vejo pronto para confrontar o primeiro-ministro de Israel, tanto no tema da assistência humanitária à Faxa de Gaza, quanto no tema da guerra. Isso pode acontecer, desde que Trump sinta que está sendo usado ou enganado por Netanyahu."
Ajuda a tiros
Ajith Sunghay (leia Duas perguntas para), chefe do Escritório de Direitos Humanos da ONU nos Territórios Palestinos Ocupados, disse ao Correio que 1.100 palestinos foram mortos por disparos ao tentarem receber alimentos em centros de ajuda da Fundação Humanitária de Gaza (GHF, pela sigla em inglês) ou quando tentavam obter comida quando os caminhões se deslocavam. "Isso é inaceitável! Pessoas famintas, que estão morrendo de grave desnutrição ou de doenças, porque não há vitaminas, nutrientes e proteínas adequados. Pessoas estão morrendo porque não há água potável. Elas tentam ao menos sobreviver coletando alguma comida, pulando umas sobre as outras, e acabam baleadas", denunciou.
DUAS PERGUNTAS PARA...
Ajith Sunghay, chefe do Escritório de Direitos Humanos da ONU nos Territórios Palestinos Ocupados
Por que as matanças de civis palestinos continuam nas filas dos centros de ajuda?
Infelizmente, não há pressão suficiente da comunidade internacional. Há muitas declarações sobre o tema e muitas palavras de fachada. Mas, quando se trata de ação, de usar o poder bilateral e a influência, não vejo isso. Grandes potências europeias e os Estados Unidos ainda apoiam Israel. Enquanto isso acontecer, Israel fará o que desejar. Algumas vezes, Israel vem com narrativas diferentes, ao dizer que a fome e o bloqueio de alimentos são uma falácia. O fato é que Israel não está permitindo a entrada de comida suficiente em Gaza. Precisamos da máxima quantidade de alimentos. Não se trata do número de caminhões, mas do tipo de nutrientes que precisam entrar. Esses caminhões não conseguiram alcançar muitas partes de Gaza. Nos últimos dias, temos visto saques a esses caminhões, porque a situação é desesperada. Os saques e a fome somente cessarão se inundarmos Gaza com toneladas de ajuda humanitária.
Israel acusa o Hamas de roubar a ajuda humanitária. Há evidências disso?
Acho que Israel joga com a narrativa, ao afirmar que não há fome, enquanto temos registros e testemunhos de várias fontes no terreno. A fome disseminada exige uma conclusão bastante técnica elaborada pelo relatório da Classificação Integrada de Segurança Alimentar (IPC). A existência da fome é muito clara para nós. Israel também nega isso. Há fome, mais de 100 pessoas morreram porque simplesmente tiveram fome. Temos visto palestinos em pele e ossos. Todos os dias vemos pessoas morrendo de doenças causadas pela fome e pela desnutrição. Cabe a Israel provar a acusação de que o Hamas rouba comida. Não temos qualquer evidência disso. (RC)
EU ACHO...
"O Hamas jamais se renderá. A solução é que Israel encerre os combates permanentemente e estabeleça uma estratégia de saída que permita que uma Autoridade Palestina recém-eleita assuma o poder em Gaza, juntamente com a Cisjordânia. O Hamas aceitará isso, desde que se torne parte da Autoridade Palestina, com a condição de que ela seja reconhecida por Israel."
Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York
DESCONTENTAMENTO AMERICANO
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, "expressou seu descontentamento e discordância com os líderes de França, Reino Unido e Canadá" sobre o reconhecimento de um Estado Palestino, disse sua porta-voz, Karoline Leavitt. Embora já tivesse criticado firmemente a decisão do primeiro-ministro canadense, Mark Carney, de reconhecer um Estado Palestino, Trump não se mostrou tão rancoroso diante dos anúncios do presidente francês, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer. Segundo o presidente, a decisão de Macron de reconhecer o Estado da Palestina vai ter pouco "peso" e "não mudará nada". Sobre o Reino Unido, Trump limitou-se a dizer que seu governo "não estava desse lado".
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