
O clima político na Argentina ganhou contornos ainda mais tensos na tarde de ontem, em Lomas de Zamora, 20km ao sul de Buenos Aires. Javier Milei acenava para a população da caçamba de uma picape, durante carreata que contou com a participação da irmã, Karina Milei, suspeita de envolvimento em um escândalo de corrupção envolvendo o repasse de fundos para pessoas com deficiência. O presidente também estava acompanhado do deputado Jose Luis Espert, candidato às eleições legislativas de outubro na província de Buenos Aires. Minutos depois de a caravana alcançar o centro da cidade, por volta das 14h, foi surpreendida por supostos militantes kirchneristas, que arremessaram pedras, garrafas e até plantas arrancadas de canteiros contra Milei e o grupo. O líder ultralibertário argentino e Karina foram forçados a entrar em um carro de cor escura para fugir do local. Espert abandonou a carreata em uma moto.
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De acordo com a agência de notícias France-Presse, os manifestantes gritavam ofensas ao chefe de Estado e ostentavam cartazes em que pediam sua saída do poder. "Milei veio provocar. E, bom, teve que ir embora, como deve ser", reagiu Ramón, um aposentado que preferiu não revelar o sobrenome à AFP, ao garantir que a região é um reduto da oposição. Morador de Lomas de Zamora e militante pró-Milei, Ariel Ferrari contou ao Correio que, ao chegar à praça da Prefeitura, encontrou kirchneristas e grupos de esquerda concentrados do outro lado. "Eles não ficaram parados: cada vez que o semáforo ficou vermelho, bloquearam a rua para mostra mensagens contra Milei. Decidimos avançar em coluna por uma rua paralela, até que era impossível continuar. De repente, começaram a voar pedras vindas da frente. A coisa ficou feia. As pedradas e a violência eram cada vez mais fortes, impossível de conter com as mãos e o corpo. A segurança presidencial não teve outra saída, senão desviar", disse Ariel.
"Atacaram com pedras a caravana onde se encontrava o presidente da Nação. Não há feridos entre os funcionários", escreveu na rede X o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni, a dois meses das eleições legislativas que funcionarão como um referendo sobre a popularidade do titular da Casa Rosada. Depois do incidente, Milei posou para foto fazendo o sinal de positivo com os dois polegares, ao lado de Espert e de Karin, em Quinta de Olivos, residência oficial do governo. Assessores do presidente descartam mudanças na campanha eleitoral.
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"Do ponto de vista de democracia, é algo totalmente reprovável. Foi uma situação bastante confusa, pois ocorreu contra dirigentes nacionais e candidatos nacionais, como Espert. O contexto do ataque contra Milei, Karina e Epsert se insere no marco da campanha para as eleições legislativas, uma oportunidade de renovar as autoridades da província de Buenos Aires", afirmou ao Correio Fanny Maidana, doutora em ciência política e professora na Universidad de Buenos Aires (UBA) e na Universidad Nacional del Litoral (em Santa Fe). "Além disso, existe uma crise nacional enfrentada pelo governo Milei. Justamente uma das bandeiras de sua gestão — a luta contra a corrupção — viu-se fortemente questionada, ante a saída do diretor da Agência Nacional da Pessoa com Deficiência (Andis). Ao longo desta semana, áudios vazados mostram a cobrança de propina para a compra de medicamentos e sustentam que Karina Milei ficava com parte do dinheiro", observou.
Pesquisas
De acordo com Maidana, as primeiras sondagens após o escândalo sugerem impacto negativo na opinião pública. "Também é importante destacar como todo esse contexto aprofundou o discurso da polarização. Existe um argumento, segundo o qual o que ocorreu hoje (ontem) em Lomas de Zamora é parte de uma reação do kirchnerismo à ideia de Milei de combater as negociatas e os vícios da oposição."
"O ato de violência é lamentável e repreensível. Mas, além das repercussões, não houve vítimas graves. A violência política não é comum em campanhas eleitorais na Argentina", disse ao Correio Miguel De Luca, professor de ciência política da UBA. "Existe uma forte polarização, mas não um clima de violência." Para Facundo Cruz, consultor e analista político de Buenos Aires, não acredita que a agressão a Milei não terá grandes impactos eleitorais. "É um evento a mais na campanha. Muito provavelmente o governo nacional tentará usar esse incidente para encobrir o escândalo de subornos envolvendo a Agência Nacional para Pessoas com Deficiência (Andis). Várias pesquisas mostram sinais de alerta para o governo. A desaprovação da gestão presidencial começa a aumentar."
Facundo interpreta o incidente em Lomas de Zamora como reflexo de um clima eleitoral polarizado. "Cerca de 80% do eleitorado se divide entre o partido governista La Libertad Avanza e o peronismo. Esta deverá ser uma das eleições legislativas mais polarizadas dos últimos tempos", avaliou o analista político. "Vejo um cenário de disputa aberta, sem favoritos. A polarização, o pessimismo econômico e o escândalo de corrupção seriam fatores que contribuíram para a agressão a Milei."
Áudios comprometedores
O suposto esquema de corrupção estourou com a divulgação, a partir de 19 de agosto, de vários áudios atribuídos ao então diretor da Agência Nacional para Pessoas com Deficiência (Andis), Diego Spagnuolo, que foi demitido pouco depois do vazamento. Nos áudios, a voz supostamente de Spagnuolo atribui a Karina Milei o recebimento de uma parte das compras da Andis junto à drogaria Suizo Argentina, que distribui os medicamentos e nega as acusações. "A Karina recebe 3% e 1% vai na operação", diz a voz atribuída ao ex-funcionário, que garante ter avisado o presidente sobre o suposto esquema da irmã. A Justiça ordenou na sexta-feira 16 operações de busca e apreensão e confiscou dois celulares, entre outros bens, mas até o momento não há acusados formais.
EU ACHO...
"Vale destacar a proteção à figura da irmã de Javier Milei. Até então, Karina não emitiu nenhuma declaração sobre o escândalo de corrupção. Isso mostra a confiança do presidente em sua irmã. Não saberemos o quanto esse escândalo afetará a imagem pública de Milei. Mas as decisões de proteger a irmã e de expor a face são algumas estratégias do governo."
Fanny Maidana, doutora em ciência política e professora na Universidad de Buenos Aires (UBA) e na Universidad Nacional del Litoral (em Santa Fe)
"A regra geral na Argentina é assim: se a economia vai bem, os escândalos de corrupção não afetam eleitoralmente o governo. Se a economia está mal, os casos de corrupção golpeiam o desempenho eleitoral do governo. Isso funcionou desde o governo de Carlos Menem."
Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA)
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