
O alerta foi dado pelo próprio presidente Donald Trump, ainda durante a campanha para o retorno à Casa Branca. "Estamos fechando a fronteira e perfurando, perfurando, perfurando. Depois disso, não serei mais um ditador", declarou, em 2023, em alusão às políticas imigratória e ambiental. Nas primeiras horas de governo, o republicano assinou uma enxurrada de decretos. Com 237 dias à frente da Casa Branca, Trump colocou os limites de seu poder à prova, ao tomar uma série de medidas controversas e contestadas pelos tribunais federais. Além de provocar protestos dentro dos Estados Unidos, o presidente se indispôs com outras nações, ao impor tarifas exorbitantes sobre produtos importados.
"Desde o primeiro dia de governo, Trump tem testado os limites da legalidade. Ele firma decretos ilegais, os implementa e espera que um juiz os declare inconstitucionais. Então, o presidente recorre, apela à Suprema Corte dos EUA e, na maioria dos casos, a máxima instância do Judiciário congela qualquer objeção às suas medidas", observou James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island).
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Green lembrou que um juiz decretou a ilegalidade da utilização da Guarda Nacional no patrulhamento das ruas de Los Angeles. Mesmo assim, a medida foi levada para a Suprema Corte."Em relação às tarifas impostas pelos Estados Unidos, elas foram consideradas ilegais por um juiz federal, mas o governo recorreu à Suprema Corte, que, provavelmente, adotará uma medida cautelar e decidirá que Trump goza desses poderes absolutos", avaliou.
O professor da Universidade Brown ressaltou que Trump não descarta tentar um terceiro mandato, apesar de a Constituição somente permitir dois. "Ele sempre aplica a mais exagerada medida à espera de o Judiciário decretar a ilegalidade. Depois, espera a apreciação dos recursos. No fundo, Trump acaba por tornar essa prática algo 'natural'", explicou. Green entende que Trump deseja criar uma situação em que os cidadãos fiquem acostumados à interferência da Guarda Nacional no estado. "Nas eleições de 2026, caso haja uma votação apertada, o presidente poderá convocar a Guarda Nacional e até decretar a invalidade do pleito", advertiu.
Chantagem e ameaça
Ainda segundo Green, Trump usa a mesma lógica no confronto com as universidades. "Ele ameaça, chantageia, depois negocia e, às vezes, consegue algo em troca. O mesmo ocorre na disputa com os escritórios de advocacia", avaliou. Ele acredita que a única chance de bloquear o republicano estaria em uma derrota nas urnas em 2026. "Não vejo nenhuma dissidência dentro do Partido Republicano, exceto pela divulgação dos arquivos do escândalo envolvendo Jeffrey Epstein", disse Green. Trump teria sido citado em documentos envolvendo o caso judicial do financista que foi acusado de tráfico sexual.
Historiador e professor de direito da Universidade da Califórnia, Berkeley, Daniel Farber concorda com o colega da Universidade Brown. "Trump tem tomado algumas medidas que, muito provavelmente, parecem ilegais, talvez na esperança de que os tribunais não consigam intervir com rapidez suficiente para detê-lo. Uma tática é utilizar ações, como a suspensão de financiamento, em uma ameaça para obter concessões", explicou o autor de mais de 20 livros, incluindo A history of the American Constitution (Uma história da Constituição Americana).
De acordo com Farber, Trump tem ameaçado escritórios de advocacia para coagi-los a reduzir o apoio a processos judiciais contra o governo. Ele lembrou que as Cortes Federais de instâncias inferiores têm considerado essa manobra uma clara violação da liberdade de expressão. "No entanto, a esta altura, muitas dessas firmas estão amedrontadas e se renderam a Trump", alertou. O especialista também citou as declarações de emergência e de segurança nacional como desculpas para enviar tropas às cidades, impor tarifas e evitar os procedimentos normais para ações governamentais. "As tarifas atuais contra o Brasil são um exemplo especialmente claro", observou.
Farber acusou Trump de fechar programas de governo que foram aprovados pelo Congresso apenas porque o presidente não concordava com eles. "Nesses casos, tentou eliminar o papel constitucional do Congresso nessas decisões políticas", disse. "Ele também demitiu um grande número de funcionários públicos por discordar da agenda do órgão, tornando os servidores do governo mais vulneráveis a serem dispensados por motivos políticos."
Quanto ao corte de financiamento de pesquisas para universidades, como Harvard, o governo Trump tentou forçar essas instituições a modificarem seus ensinos e a seleção de professores. "Felizmente, muitos desses esforços encontraram resistência dos tribunais federais inferiores, mas não sabemos ainda o que a Suprema Corte fará quanto a isso", concluiu Farber.
Saiba Mais
Quadro - Políticas polêmicas
Caçada aos imigrantes
Trump mobilizou o ICE, a polícia da Imigração, para capturar e deportar imigrantes não documentados. As batidas têm ocorrido em locais de trabalho, em empresas e em igrejas. Nos quatro primeiros meses de governo, os EUA deportaram nada menos do que 142 mil pessoas e prenderam 158 mil.
Mobilização da Guarda Nacional
A Casa Branca enviou efetivos da Guarda Nacional para a capital, Washington D.C., e ameaçou controlar a polícia de Chicago, um bastião democrata. Ele chegou a falar em uso de "força apocalíptica" em Chicago, sob a justificativa de combater a criminalidade. Baltimore, Nova Orleans, Memphis e Portland também foram mencionadas como alvos.
Perseguição às universidades
O governo Trump promoveu uma guerra à Universidade de Harvard, entre outras instituições de ensino superior centenárias. O republicano as acusou de doutrinação ideológica e de incentivo ao antissemitismo. Fundos federais de US$ 2,2 bilhões foram interrompidos para Harvard. Trump chegou a proibir a matrícula de estudantes internacionais.
Guerra tarifária
Em uma medida que causou assombro da comunidade internacional, o republicano impôs tarifas sobre produtos importados de vários países, entre eles, China, México e Brasil, além da União Europeia. Uma análise da Universidade de Yale prevê que os aumentos de tarifas dos Estados Unidos elevarão o número de americanos vivendo na pobreza em 875 mil até 2026.
Venezuela
Em uma escalada de tensão sem precedentes com o regime de Nicolás Maduro, Trump enviou uma frota de destróieres para o Mar do Sul do Caribe, em uma medida para conter o narcotráfico. Um barco venezuelano foi bombardeado e 11 supostos traficantes morreram. O presidente também sinalizou que o governo de Maduro é ilegítimo.
EU ACHO...
"Os Estados Unidos correm mais risco de tornarem-se uma autocracia do que no passado. Mas acho que não ocorrerá da noite para o dia, não estamos perto disso ainda. Os tribunais federais têm sido muito ativos em suspender algumas de suas ações. A imprensa da oposição ainda é ativo, e Trump não tem sido capaz de silenciar seus oponentes políticos."
Daniel Farber, professor de direito da Universidade de Califórnia, Berkeley
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