
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete réus por golpe de Estado e outros crimes.
A maioria se formou na quinta-feira (11/09) com o voto da ministra Cármen Lúcia, favorável à condenação do ex-presidente. Ainda estava pendente o voto do ministro Cristiano Zanin.
Bolsonaro e os outros ex-integrantes do seu governo foram condenados por cinco crimes relacionados a um plano de golpe de Estado para impedir Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de assumir o poder após as eleições de 2022.
Entre os condenados, estão três generais do Exército — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil) — e Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha.
Também eram réus Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que fez uma delação premiada que embasa parte da acusação.
Eles fizeram parte do que a Procuradoria-Geral da República (PGR) chamou de "núcleo crucial" de uma trama golpista contra a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. Todos negaram as acusações em suas defesas.
O ex-presidente foi condenado pelos crimes de:
- liderança de organização criminosa;
- tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito;
- golpe de Estado;
- dano contra o patrimônio da União;
- e deterioração de patrimônio tombado.
A Primeira Turma do STF ainda tem pela frente o processo de definição das penas, em um procedimento chamado de dosimetria.
As penas máximas somadas de Bolsonaro podem superar 40 anos de prisão, já que ele é acusado de liderar a suposta organização criminosa.
No Brasil, penas acima de oito anos começam a ser cumpridas em regime fechado.
Embora a pena máxima possa superar 40 anos, isso não significa que, caso sentenciados a ela, os réus passarão todo esse tempo presos. Isso porque a legislação penal brasileira prevê a progressão de regime.
Assim, o período total de reclusão depende de variáveis, como comportamento, se o condenado já cometeu outros crimes e o trabalho ou estudo no estabelecimento penal. Além disso, o tempo máximo de prisão no país não pode ultrapassar 40 anos.
Entenda, a seguir, o que são cada um dos crimes pelos quais Bolsonaro foi condenado.
Organização criminosa
Na denúncia contra o ex-presidente, apresentada pela PGR e aceita pelo STF em março deste ano, o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, acusou Bolsonaro pelo crime de "liderar organização criminosa armada".
A Lei nº 12.850 de 2013 define como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas em uma estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas.
A legislação afirma ainda que, para se enquadrar como organização criminosa, o grupo deve ter como objetivo obter vantagem de qualquer natureza, além de ter praticado infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos ou que sejam de caráter transnacional.
A pena prevista para o indivíduo que integra, financia ou promove uma organização criminosa é de reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
No caso de Bolsonaro, a PGR destacou as condições previstas nos parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 2º, que preveem agravamento da pena se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo e se o indivíduo exercer função de comando na organização.
Na denúncia, Gonet falou em "uma trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas". O procurador também apontou que o uso de armas bélicas contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, era parte do plano de golpe liderado por Bolsonaro.
O assassinato do magistrado fazia parte do chamado plano "Punhal Verde Amarelo", que também teria por objetivo assassinar Lula e o vice eleito Geraldo Alckmin.
Abolição violenta do Estado de direito e golpe de Estado
Ambos os crimes estão previstos no artigo 359 do Código Penal. Eles foram incluídos pela lei de crimes contra a democracia, de número 14.197, sancionada pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro em 2021.
Esta norma substituiu a Lei de Segurança Nacional, criada ainda na ditadura militar.
Os dois crimes fazem parte do capítulo de crimes contra as instituições democráticas da lei e punem já a tentativa de atacar as instituições, mesmo que a ruptura institucional não tenha se concretizado.
O texto prevê pena de 4 a 8 anos de reclusão para quem tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Também estipula de 4 a 12 anos de prisão para a tentativa de golpe de Estado por meio de violência ou grave ameaça.
Dano contra o patrimônio da União
Além de tratar do envolvimento de Jair Bolsonaro com a tentativa de golpe, a denúncia da PGR também conecta o ex-presidente aos ataques de 8 de janeiro de 2023 contra as sedes dos Três Poderes da República.
Na ocasião, milhares de apoiadores radicais do ex-presidente, insatisfeitos com a eleição e a posse do presidente Lula, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o STF.
Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet, o episódio foi fomentado e facilitado pela organização criminosa da qual Bolsonaro faria parte.
Segundo ele, o grupo foi responsável "por promover atos atentatórios à ordem democrática, com vistas a romper a ordem constitucional, impedir o funcionamento dos Poderes, em rebeldia contra o Estado de Direito Democrático."
A PGR estimou que a violência cometida teria gerado prejuízos de mais de R$ 20 milhões.
O crime de dano contra o patrimônio da União, pelo qual Bolsonaro também foi condenado, também está previsto no Código Penal.
O Ministério Público acusou o ex-presidente pelo crime de "dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima".
O Código Penal prevê detenção, de 6 meses a 3 anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
E apesar de Bolsonaro não ter participado dos ataques pessoalmente — ele estava no exterior em 8 de janeiro de 2023 — Gonet defendeu que o resultado trágico dos eventos "não pode ser dissociado das omissões dolosas" dos denunciados.
O procurador disse ainda haver provas suficientes para demonstrar que o núcleo central da suposta organização criminosa estava em constante interlocução com as lideranças populares, "em claros atos de direcionamento, mostrando-se plenamente ciente de todos os movimentos que seriam realizados por seus apoiadores".
Deterioração de patrimônio tombado
A denúncia pelo crime de deterioração de patrimônio tombado seguiu a mesma justificativa da anterior: segundo o Ministério Público, apesar de não ter participado dos ataques de 8 de janeiro, Jair Bolsonaro deve ser vinculado aos resultados dos eventos daquele dia.
Segundo a denúncia aceita pelo STF, o suposto plano de golpe de Estado "resultou na destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, incluindo bens tombados".
"Todos os denunciados, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, contribuíram de maneira significativa para o projeto violento de poder da organização criminosa, especialmente para a manutenção do cenário de instabilidade social que culminou nos eventos nocivos", diz o texto.
O procurador-geral da República afirmou ainda que a suposta organização criminosa, por meio de seus integrantes, teria direcionado os movimentos populares e interferido nos procedimentos de segurança necessários, razão pela qual respondeu pelos danos causados.
O crime de deterioração de patrimônio tombado está previsto na Lei n. 9.605, de 1998, com pena de reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
Gráfico por Caroline Souza, Equipe de Jornalismo Visual da BBC Brasil
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