Oriente Médio

Conferência na ONU forja aliança em prol do Estado da Palestina

França se soma a Reino Unido, Austrália, Canadá e Portugal e reconhece a existência do Estado palestino. Emmanuel Macron diz que "chegou o momento da paz". Em discurso na Organização das Nações Unidas, Lula denuncia limpeza étnica

A reunião convocada por franceses e sauditas, na véspera da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), teve o propósito de debater uma solução para o conflito árabe-israelense baseada na coexistência pacífica de dois Estados. Com o boicote de Israel e a presença virtual do presidente palestino, Mahmud Abbas, impedido pelos EUA de viajar a Nova York, a conferência internacional foi marcada pelo reconhecimento do Estado palestino pelo governo da França e por um discurso incisivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "O que está acontecendo em Gaza não é só o extermínio do povo palestino, mas uma tentativa de aniquilamento de seu sonho de nação", disse Lula, que considerou "inaceitáveis" os "atos terroristas" cometidos pelo movimento islâmico palestino Hamas. "Mas o direito de defesa não autoriza a matança indiscriminada de civis."

O brasileiro lembrou que um Estado se assenta sobre três pilares: o território, a população e o governo. "Todos têm sido sistematicamente solapados no caso palestino. Como falar em território diante de uma ocupação ilegal que cresce a cada novo assentamento? Como manter uma população diante da limpeza étnica à qual assistimos em tempo real? E como construir um governo sem empoderar a Autoridade Palestina?", questionou Lula.

O francês Emmanuel Macron, por sua vez, disse que "chegou o momento da paz". "Chegou a hora. É por isso que, fiel ao compromisso histórico do meu país com o Oriente Médio, com a paz entre israelenses e palestinos, declaro que hoje a França reconhece o Estado palestino", anunciou. "Devemos fazer tudo ao nosso alcance para preservar a própria possibilidade de uma solução de dois Estados, com Israel e Palestina vivendo lado a lado em paz e segurança", acrescentou." O líder francês condicionou a abertura da embaixada de seu país em Ramallah (Cisjordânia) à libertação de todos os reféns mantidos em Gaza pelo Hamas e à declaração de um cessar-fogo. "Este reconhecimento do Estado da Palestina é uma derrota para o Hamas", admitiu Macron. Ao menos 52 prefeituras da França governadas pela esquerda hastearam a bandeira palestina nesta segunda-feira. 

Eyad Baba/AFP - Criança deslocada carrega bandeira palestina enquanto caminha sobre escombros de prédio do campo de Bureij, no centro de Gaza

Copatrocinadora da cúpula, a Arábia Saudita conclamou outras nações a tomarem "uma medida histórica similar, que terá impacto importante para apoiar os esforços para o estabelecimento da solução de dois Estados", disse o ministro das Relações Exteriores saudita, o príncipe Faisal bin Farhan. No domingo, Reino Unido, Austrália, Canadá e Portugal haviam tomado a mesma decisão. Alemanha e Itália sustentaram que o reconhecimento do Estado palestino somente deveria ocorrer ao fim de um processo de negociação. A premiê italiana, Giorgia Meloni, enfrenta protestos em várias cidades para que reconheça o Estado da Palestina.

"Síntese histórica"

Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil, classificou o discurso de Lula como "uma das melhores sínteses da história da Palestina". "As palavras mais concretas e diretas para solucionar esse conflito, essa guerra de genocídio contra o meu povo, são quando ele fala em apartheid e limpeza étnica e quando prega pela coexistência pacífica entre os palestinos e os israelenses", declarou ao Correio. "O presidente Lula é amigo incondicional da justiça e do direito. Estamos muito gratos por essa lição de síntese da história palestina." 

Israel e EUA reafirmaram a oposição ao reconhecimento da Palestina. O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, disse que "não haverá Estado palestino". Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca, ressaltou que o presidente Donald Trump acredita que isso seria "uma recompensa para o Hamas."

À margem da Assembleia Geral da ONU, que terá início hoje, Trump deverá receber, na Casa Branca, os líderes dos principais países muçulmanos. Estão confirmadas as presenças dos dirigentes de Catar, Arábia Saudita, Indonésia, Turquia, Paquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos e Jordânia. O foco das conversas será Gaza.  

Alon Ben-Meir — professor de relações internacionais da Universidade de Nova York — explicou ao Correio que, embora o reconhecimento da Palestina seja importante, ele é simbólico. "E ficará assim, a menos que as nações tomem medidas concretas, tanto políticas quanto financeiras, para fornecer aos palestinos a base para construir uma autoridade governamental eficaz", avaliou. "Netanyahu e Trump tentarão impedir esforços semelhantes. Os mandatos de ambos terminarão, mas a causa palestina sobreviverá."

COLABOROU VICTOR CORREIA

DEPOIMENTO

Evaristo Sá/AFP - Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil

A caminha do consenso global

O reconhecimento da Palestina por países como Austrália, Canadá, Reino Unido, Portugal e França representa um direito legítimo do nosso povo, cuja aplicação tem sido adiada por décadas. Esse passo pode contribuir para a definição de um plano oficial para a criação do Estado palestino, ao gerar maior legitimidade internacional e ao reduzir o espaço político para aqueles que negam essa realidade. Tais reconhecimentos, vindos de países com forte peso político e diplomático, podem servir como base para a mobilização de apoio prático — político, econômico e institucional — necessário para a construção de um Estado palestino moderno, pacífico e que ofereça vida digna aos seus cidadãos. Em última instância, este processo ajudará a transformar o consenso internacional em medidas concretas que promovam o fim da ocupação. (RC)

Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil

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