Defesa

Estados Unidos elevam o risco de proliferação nuclear

Anúncio do presidente Donald Trump sobre a retomada de testes com armas de destruição em massa preocupa os governos de China e Rússia. Moscou promete "agir de acordo", e Pequim pede respeito ao desarmamento. Especialistas temem nova corrida atômica

Depois de 33 anos de uma pausa, após a assinatura de uma moratória, a decisão do presidente Donald Trump de reiniciar os testes com armas nucleares coloca em perigo a não proliferação atômica, de acordo com especialistas consultados pelo Correio. A China disse esperar que os Estados Unidos respeitem "seriamente" suas obrigações sob o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT) e adotem "medidas concretas para preservar o sistema global de desarmamento e a não proliferação nuclear". A Rússia prometeu agir "de acordo" com as ações tomadas pelos EUA.

Em mensagem publicada na noite de quarta-feira (29/10), em sua plataforma Truth Social, Trump lembrou que os EUA têm mais armas nucleares do que qualquer outro país. "Por causa do tremendo poder destrutivo, odeio fazê-lo, mas não tive chance! A Rússia está em segundo lugar, e a China em um distante terceiro, mas estarão empatadas dentro de cinco anos. Devido aos programas de testes de outros países, instruí o Departamento de Guerra a iniciar os testes de nossas armas nucleares em igualdade de condições. Esse processo começará imediatamente!", escreveu.

Andrew Caballero Reynolds/AFP - Trump cerra o punho ao desembarcar do Air Force One, na Base Aérea Andrews, em Maryland: "Não tive chance!"

O anúncio de Trump ocorreu um dia depois de o presidente russo, Vladimir Putin, ter divulgado um teste bem-sucedido com o Poseidon — um "drone submarino" compatível com cargas atômicas — e o Burevestnik, chamado de "torpedo do Juízo Final". "Nenhum outro dispositivo no mundo se compara a este em termos de velocidade e profundidade" de operação, explicou o líder do Kremlin. "Com relação aos testes do Poseidon e do Burevestnik, esperamos que o presidente Trump tenha sido informado corretamente. Isso não pode ser considerado um teste nuclear", comentou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. "Se alguém violar a moratória (de 1992), a Rússia agirá de acordo", emendou.

Nesta quinta-feira (30), o vice-presidente, J.D. Vance, esclareceu que o país precisa realizar ensaios nucleares para assegurar o correto funcionamento de seu arsenal. "É uma parte importante da segurança americana garantir que esse arsenal nuclear que temos realmente funcione corretamente, e isso faz parte de um regime de testes", disse a jornalistas na Casa Branca. "A declaração do presidente fala por si mesma."

Xiaodon Liang, analista sobre Política de Armas Nucleares e Desarmamento da ONG Arms Control Association (Associação para o Controle de Armas), disse que a decisão de Trump de retomar os testes nucleares é uma "violação contraproducente de uma norma internacional que tem servido bem aos interesses dos EUA". "Não há necessidade técnica nem militar para os EUA testarem suas ogivas atômicas. Desde a moratória unilateral sobre os testes, Washington gastou bilhões de dólares no desenvolvimento de métodos sofisticados para garantir a segurança de seu arsenal sem a necessidade de testagem. Um retorno aos testes seria um golpe devastador ao regime de não proliferação e à segurança de todas as nações", advertiu.

Reação em cadeia

Para Liang, o fato de a China apelar aos EUA para que respeitem a proibição de testes sugere que Pequim está muito preocupada com os riscos à não proliferação e à estabilidade nuclear. O especialista acredita que Coreia do Norte, Índia e Paquistão, vizinhos da China, poderiam imitar os EUA e reativar os testes. "Medidas concretas que Washington e Pequim poderiam tomar agora incluem convidar a Rússia, bem como o Reino Unido e a França, a reafirmarem conjuntamente seus compromissos com a moratória de testes. Os Estados Unidos, a Rússia e a China também devem abordar suas preocupações mútuas sobre a atividade em antigos locais de testes por meio de consultas e visitas aos locais", observou.

Por sua vez, Sam Lair — pesquisador associado do Centro James Martin para Estudos de Não Proliferação (CNS, em Monterey, Califórnia) — afirmou que não ficou claro o que Trump quis dizer com a declaração. "O fato de a instrução ter sido dada ao secretário de Guerra (Pete Hegseth) e não ao secretário de Energia (Chris Wright) sugere que ela possa se referir a testes de veículos de lançamento de armas nucleares, como mísseis balísticos ou mísseis de cruzeiro, e não aos testes propriamente de ogivas atômicas. Isso porque o Departamento de Energia é o responsável pela supervisão dos testes nucleares", disse. O estudioso não descarta que o anúncio feito pela Rússia sobre os disparos dos mísseis 9M730 Burevestnik e Poseidon possam ter encorajado Trump a instruir o Departamento de Guerra.

De acordo com Lair, é possível que Rússia e China também retomem os testes. "Os chineses seriam os que mais teriam a ganhar com isso, se considerarmos o número relativamente limitado de testes realizados — 45, em comparação com os 1.054 dos EUA e os 715 da Rússia", avaliou. "Tanto a Rússia quanto a China têm mantido seus locais de testes ativos, provavelmente para garantir um certo grau de prontidão, caso os Estados Unidos escolham reativar os testes."

Wikipedia - Locais de explosões nucleares ficaram marcados com crateras, no Deserto de Nevada

Os resquícios da Guerra Fria 

Situado a 96km a noroeste de Las Vegas, no Deserto de Nevada, o Sítio de Segurança Nacional de Nevada é o único local dos Estados Unidos onde poderiam ser realizados testes nucleares. Com 3.366 quilômetros quadrados, serviu de base para explosões atômicas entre 1950 e 1962. As detonações modificaram o relevo de forma curiosa, com centenas de crateras espalhadas pelo deserto. Entre 1962 e 1992, os testes passaram a ser subterrâneos, a fim de minimizar a liberação de radiação na atmosfera. Em 42 anos, os Estados Unidos testaram 1.054 bombas atômicas — em 63 testes, foram detonadas duas ou mais ogivas nucleares simultaneamente.

Os Estados Unidos e a Rússia permanecem vinculados pelo tratado Novo START de desarmamento, o qual limita cada parte a 1.550 ogivas ofensivas estratégicas implantadas e prevê um mecanismo de verificações, suspensas há dois anos. O tratado expira em fevereiro de 2026. Moscou propôs uma prorrogação de um ano, mas sem mencionar uma possível retomada das inspeções dos arsenais.

As potências atômicas

Veja o ranking dos maiores detentores de ogivas nucleares 

Rússia — 5.580 ogivas 

Estados Unidos — 5.225

China — 600 

França — 290

Reino Unido — 225

Índia — 180

Paquistão — 170

Israel — 90

Coreia do Norte — 50

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Xiaodon Liang, analista sobre Política de Armas Nucleares e Desarmamento da ONG Arms Control Association (Associação para o Controle de Armas)
"Se os Estados Unidos testarem uma arma nuclear, outros países aproveitarão a violação das normas para fazer o mesmo. A Rússia tem afirmado claramente que testará suas ogivas, caso dos EUA o façam. Embora a Rússia tenha realizado 715 testes durante a Guerra Fria e, portanto, tenha pouco a aprender, novos Estados nucleares com armas menos sofisticadas também retomariam os testes. Esses países têm muito mais a aprender com os dados gerados pelos testes, o que significa que uma corrida armamentista qualitativa terá início, e os Estados Unidos perderão suas vantagens técnicas no projeto de armas nucleares."

Xiaodon Liang, analista sobre Política de Armas Nucleares e Desarmamento da ONG Arms Control Association (Associação para o Controle de Armas)

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