Estados Unidos

Perdão a acusados de tentar anular eleição, com a bênção de Trump

Presidente indulta vários aliados acusados de tentar reverter o resultado das urnas, em 2020, quando perdeu para Joe Biden. Apesar de caráter simbólico da medida, cientistas políticos alertam sobre mensagem perigosa para a democracia

No 294º dia de seu segundo mandato, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, concedeu indulto a um grupo de aliados políticos que tentou subverter o resultado das eleições de 2020, quando o republicano perdeu para o democrata Joe Biden. Mesmo sem apresentarem qualquer evidência, os correligionários denunciaram fraude nas eleições presidenciais daquele ano.

As alegações e um discurso explosivo de Trump teriam incitado seus simpatizantes a invadirem o Capitólio para tentar evitar a certificação da vitória de Biden, em 6 de janeiro de 2021. Na ocasião, cinco pessoas morreram.

Apesar de simbólico e sem efeito imediato — pois nenhum dos perdoados foi acusado ou sentenciado pela Justiça Federal —, o indulto deverá blindá-los de eventuais acusações em futuros governos. No entanto, as tramitações de processos nas instâncias estaduais seguem em vigor.

Na madrugada desta segunda-feira (10/11), Ed Martin — advogado da Casa Branca — divulgou uma lista com mais de 70 nomes de beneficiados. Entre eles, estão Rudolph Giuliani, ex-advogado de Trump e ex-prefeito de Nova York; Mark Meadows, antigo chefe de gabinete da Presidência dos EUA; e o advogado John Eastman, que, à época, apresentou estratégias para frustrar a certificação da vitória do republicano. Na proclamação do perdão a Meadows, Trump prometeu encerrar "uma grave injustiça nacional". De acordo com a emissora britânica BBC, "falsos eleitores" também receberam o indulto.

"Obrigado, presidente, por me permitir, na condição de Procurador de Indultos dos EUA, trabalhar com a Casa Branca, com a procuradora-geral Pamela Bondi, o subprocurador-geral Todd Blanche, e o procurador-geral John Sauer, para alcançar esse objetivo. Que a cura deles comece", escreveu Martin na rede social X. Para o advogado da Casa Branca, os perdões se inserem em um "processo de reconciliação nacional".

Durante os oito anos de governo democrata, Biden concedeu um número recorde de indultos (4.245). No entanto, os perdões anunciados por Trump contemplam pessoas com quais o presidente republicano mantém laços pessoais ou econômicos.

A deputada republicana Marjorie Taylor Greene agradeceu ao presidente pelos indultos aos "eleitores suplentes de 2020". "Eles lutaram pela integridade das eleições e foram punidos severamente por um governo que usou a política como arma", afirmou a congressista, em publicação na rede social X.

Lealdade como critério

De acordo com o site NPR, os presidentes dos Estados Unidos gozam de ampla autoridade para anular condenações ou sentenças em casos de crimes federais, sem que haja necessidade de intervenção ou envolvimento do Congresso ou da Suprema Corte americana.

Historiador político da American University (em Washington), Allan Lichtman disse ao Correio que Trump "perdoou pessoas que certamente deveriam ter sido responsabilizadas por seu papel na tentativa de reverter os resultados justos da eleição de 2020 e impedir a transição pacífica de poder. "Os seus critérios para conceder indultos parecem se basear unicamente na lealdade a ele, nada mais", comentou. 

Por sua vez, Richard L. Hasen, professor de direito da Universidade da Califórnia (Ucla), explicou à reportagem que os indultos são, em grande parte, simbólicos. "Não existe nenhuma possibilidade de o Departamento de Justiça do governo Donald Trump entrar com esses processos de qualquer maneira. Depois de Trump, eles provavelmente terão prescrito", observou.

Professora de direito da Universidade de Stanford, Bernadette Meyler esclareceu ao Correio que os indultos de Trump são mais significativos simbolicamente do que em termos de penalidades criminais. "As pessoas que ele perdoou estão sendo processadas por crimes relacionados às eleições em nível estadual, e não federal", observou. "Mas esses indultos sinalizam que Trump apoia os esforços de seus apoiadores para minar a confiança nos resultadosde eleições justas e livres."

Meyler adverte que o maior risco à democracia reside nas eleições legislativas de 2026 e na eleição presidencial de 2028. "Trump questionou as vitórias esmagadoras dos democratas nas eleições para governador na semana passada, e há motivos para crer que ele e seus apoiadores farão o mesmo, tentando conceder imunidade a todos os envolvidos por meio de indultos."

Abuso sexual

Também nesta segunda-feira, Trump pediu à Suprema Corte dos Estados Unidos a anulação de sua acusação por abuso sexual e difamação contra a jornalista E. Jean Carroll. O presidente foi condenado a indenizar a colunista em US$ 5 milhões em um processo civil. Os advogados do republicano alegam que o juiz Lewis Kaplan cometeu vários erros, ao permitir que os jurados escutassem os testemunhos de duas mulheres que acusaram de Trump de abuso sexual — o suposto crime teria ocorrido duas décadas atrás.

Carroll denunciou que foi abusada por Trump dentro do provador de uma loja de departamentos de Nova York, na década de 1990. Em 2019, ao negar a agressão sexual, Trump difamou a suposta vítima, ao afirmar que ela não "fazia o seu tipo" e ao sustentar que a colunista teria inventado a história com a intenção de alavancar as vendas de seu livro.

EU ACHO...

ArquivoPessoal - 2018. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Richard L. Hasen, professor de direito e ciência política da Universidade da Califórnia, Irvine.

"A decisão de Trump transmite a mensagem de que as pessoas podem sair impunes ao tentar subverter as eleições. Isso é algo bastante perigoso para a democracia."

Richard L. Hasen, professor de direito da Universidade da Califórnia (Ucla)

 

Mais Lidas