
O funeral de Matilda, 10 anos, uma das 15 vítimas do atentado cometido por pai e filho extremistas no último domingo em uma praia de Sydney, no feriado judaico de Hanukkah, serviu de ocasião para o premiê da Austrália, Anthony Albanese, anunciar nesta quinta-feira (18/12) na capital, Canberra, um conjunto de medidas para combater o antissemitismo e o discurso de ódio — em particular, a propagação das ideias do Estado Islâmico (EI). No mesmo dia, a polícia anunciou a detenção de sete homens, também em Sydney, após receber informações de que estariam planejando um "ato violento" na cidade. Inicialmente, porém, não foi estabelecida uma conexão entre os suspeitos e o atentado na praia.
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Os investigadores do atentado tratam de determinar se os autores do ataque, Sajid Akram e o filho Naveed, mantiveram contatos com extremistas durante uma visita que fizeram semanas antes às Filipinas. Ambos eram seguidores de um pregador extremista, e o governo considera que agiram motivados pela ideologia do EI. Sajid, de 50 anos, morreu em tiroteio com a polícia. O filho, de 24, um pedreiro desempregado, foi capturado e formalmente acusado pela Justiça de 15 homicídios, terrorismo e mais numerosos crimes graves.
"Os australianos estão chocados e furiosos. Eu estou furioso. Está claro que precisamos fazer mais para combater este flagelo maligno", disse Albanese na entrevista coletiva na qual prometeu uma ofensiva generalizada para erradicar "o mal do antissemitismo da nossa sociedade". O premiê reafirmou o direito de "todo judeu australiano" a sentir-se seguro, valorizado e respeitado pela sua contribuição ao país". Ele acusou "os terroristas inspirados pelo EI" de tentarem "nos jogar uns contra os outros", e ressaltou a resposta dos cidadãos, "com amor e compaixão" pelos atingidos.
As medidas contempladas incluem a habilitação das autoridades para perseguir pregadores extremistas e negar ou cancelar os vistos de quem propaga "o ódio e a divisão". Será ainda desenvolvido um sistema para listar organizações cujos líderes promovem o discursos de ódio. A "difamação grave" baseada na origem étnica e a defesa da supremacia racial serão consideradas crime federal. A iniciativa seguiu as recomendações feitas em relatório pela encarregada pelo governo para o combate ao antissemitismo, que acompanhou a coletiva do premiê e exaltou o "passo importante" anunciado, que recebeu apoio do Conselho Judaico da Austrália.
Controvérsia
A resposta firme e imediata ao atentado de Sydney reflete a preocupação de Albanese com o acirramento da controvérsia entre os australianos em torno do conflito na Faixa de Gaza. Sob o impacto de manifestações de grande porte em protesto contra a ofensiva militar israelense no território, o premiê anunciou em setembro o reconhecimento do Estado palestino. "Isso colocou o governo sob críticas de setores pró-Israel e de parte da comunidade judaica, que passaram a questionar se haveria complacência com discursos hostis", analisou, em entrevista ao Correio, a professora de relações internacionais Denise Holzhacker, da ESPM. Ela vê nas medidas anunciadas "uma tentativa de reequilibrar essa percepção e reafirmar que o apoio à autodeterminação palestina não implica tolerância com o ódio ou a discriminação aos judeus."
De acordo com a estudiosa, embora se apresente como multicultural, a sociedade australiana "vem sofrendo nos últimos anos com a polarização e o aumento de grupos extremistas". O desafio para o premiê será contemplar também as preocupações de setores que receiam, como desdobramento da iniciativa, o cerceamento da liberdade de expressão. Como em muitos países, explica, o governo "terá de garantir que as medidas legais e institucionais tenham como alvo discursos de ódio e incitação à violência, sem criminalizar manifestações políticas e acadêmicas, ou de ativistas que defendem os direitos dos palestinos".
Despedida
Enquanto o premiê falava à imprensa, os pais de Matilda, parentes, amigos e integrantes da comunidade judaica se reuniam na praia de Bondi para despedir-se da mais jovem entre as vítimas dos atiradores. "Ela era nosso pequeno raio de sol", lamentou o rabino que celebrou a cerimônia. A família, que pediu para que o sobrenome não fosse divulgado, mudou-se da Ucrânia para a Austrália anos antes da invasão de seu país pela Rússia, em 2022.
"Eu não poderia imaginar que perderia minha filha aqui. É um pesadelo", disse à imprensa a mãe, Valentyna. O pai, Michael, contou que ela foi a primeira filha do casal nascida no novo lar, e que o nome da menina foi escolhido em homenagem ao país, que tem como uma espécie de hino não oficial a canção popular Waltzing Matilda. "Pensei que Matilda era o nome mais australiano que podia existir. Então, por favor: lembrem-se, lembrem-se do nome dela."

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