América Latina

Especialistas apontam razões do flerte latino-americano com conservadorismo

Mapa político do subcontinente tende a flertar com o conservadorismo. Especialistas consultados pelo Correio afirmam que a segurança, a imigração e a ânsia pela renovação de poder são as principais forças motrizes do fenômeno

Criminalidade, imigração, comparações catastróficas com a crise na Venezuela, nacionalismo exacerbado, aversão ao sistema político tradicional. Uma conjunção de fatores leva a América Latina a flertar, cada vez mais, com a direita e a ultradireita. As eleições do libertário Javier Milei, na Argentina, em 20 de novembro de 2023, e do brasileiro Jair Bolsonaro, que acabou condenado e preso por tentativa de golpe de Estado, ajudaram a impulsionar uma onda conservadora pelo subcontinente. Mais recentemente, em 14 de dezembro passado, a ultradireita levou mais um de seus políticos ao topo do poder: no Chile, o advogado José Antonio Kast derrotou a ex-ministra do Trabalho e Previdência Social, representante da esquerda, e garantiu a cadeira no Palácio de La Moneda. 

Michael Albertus — professor de ciência política da Universidade de Chicago — vê um balanço de poder mesclado na América Latina, mas reconhece uma propensão de um domínio da direita. "Há fortes governos de esquerda, como do Brasil e da Colômbia, mas também da direita, exemplos de Argentina e Equador. No entanto, definitivamente vejo uma tendência rumo à direita na América do Sul. Além da vitória de Kast, no Chile, a direita tem boas chances nas próximas eleições da Colômbia (31 de maio de 2026) e no Peru (12 de abril)", afirmou ao Correio.

O estudioso avalia que a direita mantém-se forte na Argentina, no Equador e no Paraguai, muito em parte devido a especificidades de cada nação. Segundo Albertus, a Argentina se deslocou para a direita por motivos distintos dos do Chile, por exemplo. "A tendência geral é impulsionada pelo aumento da criminalidade e da insegurança, bem como pelas pressões associadas à imigração, principalmente da Venezuela", disse Albertus. 

Diretor do Instituto das Américas da University College London (UCL), Néstor Castañeda avalia que o equilíbrio de forças na América do Sul permanece dinâmico. "Temos uma coexistência de governos de esquerda e de direita. Eleições recentes na Bolívia e no Chile indicam um renovado impulso para partidos conservadores ou de centro-direita", admitiu ao Correio. Ele aposta que os resultados das eleições de 2026 no Brasil, na Colômbia e no Peru serão cruciais para determinar até que ponto essa tendência se consolidará. 

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Fatores

Castañeda vê uma evidência clara de que uma onda conservadora está ganhando força. "Vários fatores, incluindo desafios econômicos, preocupações com a segurança pública, desilusão com governos anteriores de esquerda, e um desejo de renovação política direcionam essa mudança", avaliou o especialista. "A influência da política externa dos Estados Unidos também tem sido importante. Os eleitores frequentemente buscam alternativas quando problemas persistentes permanecem sem solução, e os líderes conservadores têm capitalizado efetivamente sobre esses sentimentos."

Mariano Fraschini, doutor em ciência política e professor da Universidad de Buenos Aires (UBA) e da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), explicou ao Correio que os analistas se baseiam na conjuntura para traçar a tendência ideológica e política predominante em um país ou região. "A atual conjuntura da América do Sul parece manifestar-se em uma direção bem clara e nítida neoliberal, ou seja, à direita. Na década de 1980, predominava a transição à democracia. Nos anos 1990, o neoliberalismo e o processo hegemônico na América Latina. A partir do século 21, houve um giro à esquerda, que começou com Hugo Chávez, em 1999, e terminou com o triunfo de Mauricio Macri, na Presidência da Argentina", disse.

Das 39 eleições na América Latina, 21 foram vencidas pelos neoliberais e 18, pela força progressista. "Entre 2020 e 2022, houve a hegemonia da esquerda. Mas uma análise conjuntural exige uma abordagem em um prazo de 10 anos", comentou Fraschini. "Observa-se, claramente, um empate ideológico nesse período, o que não nos permitia apontar um domínio da esquerda ou da direita. Entre 2015 e 2025, tivemos os triunfos de opositores em Costa Rica, com o Partido Acción Ciudadana (PAC); no Paraguai, com o Partido Colorado, por duas vezes; no México, com o Partido Morena. Tivemos a eleição de Nayib Bukele, em El Salvador; as três vitórias de Nicolás Maduro, na Venezuela; as duas de Daniel Ortega, na Nicarágua; e uma de Juan Orlando Hernández, em Honduras. Todos esses processos eleitorais foram muito questionados", acrescentou.

 

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"A extrema-direita avançou em inúmeros países por associar o crime à imigração. Também tirou vantagem da insatisfação pública com os partidos políticos tradicionais e com a política em geral, que têm lutado para lidar com as consequências da crise das commodities das últimas décadas, junto com a pandemia. As pessoas estão cada vez mais dispostas a abandonar os partidos tradicionais e a trocá-los por extremistas, mesmo que esses extremistas representem ameaças à democracia."
Michael Albertus, professor de ciência política da Universidade de Chicago e especialista em América Latina
 
 
"A ascensão de movimentos de direita e, em alguns casos, da extrema-direita, reflete tanto tendências globais mais amplas quanto contextos locais específios. Esses candidatos frequentemente conquistam apoio ao se posicionarem como opositores do status quo e ao proporem soluções claras, por vezes populistas, para desafios complexos. O apoio a esses movimentos ilustra ainda mais a polarização e a volatilidade presentes em muitas sociedades sul-americanas."
 
Néstor Castañeda, diretor do Instituto das Américas da University College London (UCL) 
 
 
"Na América Latina, o oficialismo tem mostrado grande dificuldade para se revalidar enquanto força política, seja por meio de um mesmo partido, seja por meio da influência eleitoral. Para se manifestar, os eleitores latino-americanos têm censurado o oficialismo e caminhado rumo à oposição. O que importa, para eles, é castigar o oficialismo. Os eleitores estão muito enojados com o governo."
 
Mariano Fraschini, doutor em ciência política e professor da Universidad de Buenos Aires (UBA) e da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso)