Em encontro no Palácio de La Moneda com o presidente eleito José Antonio Kast, representante da extrema-direita, o atual presidente do Chile, Gabriel Boric, foi diplomático e pediu ao sucessor que implemente as políticas iniciadas pelo governo. "Compartilhamos informações com eles sobre o trabalho do governo, a situação do país e a agenda do Legislativo. (...) É muito importante que os chilenos entendam que, além das diferentes visões políticas que representamos, existe uma continuidade no Estado, nas instituições, no serviço público e na ordem democrática", declarou Boric. Kast fez um aceno à conciliação. "Esse governo de emergência deve se refletir em um governo de unidade nacional em questões prioritárias", afirmou, ao avaliar a reunião com Boric como "muito positiva e republicana". Com a posse agendada para 11 de março de 2026, ele admitiu que os temas de segurança, saúde, educação e moradia são preocupações comuns e exigem políticas de Estado.
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Nesta terça-feira (16/12), Kast será recebido pelo presidente argentino, Javier Milei, em Buenos Aires, na primeira viagem ao exterior do líder eleito chileno. Milei, que compartilha afinidades ideológicas com Kast, foi um dos primeiros a parabenizá-lo pela vitória no domingo (14/12). "Enorme alegria pelo triunfo esmagador do meu amigo José Antonio Kast nas eleições presidenciais do Chile", escreveu o titular da Casa Rosada. "Mais um passo da nossa região em defesa da vida, da liberdade e da propriedade privada", acrescentou. Em menos de três meses, o Chile se somará a Paraguai, Peru e Equador, os outros governos de direita da América do Sul.
"Kast tenta armar um 'governo de emergência' que, essencialmente, deixa de lado ou adia sua agenda mais conservadora para focar-se em temas que considera prioritários, como economia, imigração e segurança. Para isso, tem buscado construir uma coalizão governista mais ampla dentro da direita", explicou ao Correio Martín Ordóñez, professor do Departamento de Estudos Políticos da Universidad de Santiago de Chile.
A eleição de Kast "desperta" fantasmas do passado. Em uma nação ainda atormentada pelas feridas do regime militar, o presidente eleito declarou-se admirador do general Augusto Pinochet. Chegou a afirmar que, se o ditador estivesse vivo, teria votado nele. Durante os 17 anos de Pinochet à frente do Chile, entre 1973 e 1990, mais de 3,2 mil pessoas morreram ou desapareceram. Milhares sofreram tortura e foram presos. Ao Correio, Moy de Tohá, 89 anos, viúva de José Tohá, ex-ministro da Defesa do presidente Salvador Allende, afirmou: "Kast não era meu candidato, mas foi eleito pelo povo chileno; não o admiro, não gosto dele e eu preferia outro". "Seria um erro político maiúsculo tratar a todos aqueles que votaram em Kast como admiradores de Pinochet", comentou.
Ex-secretária de Allende, Patricia Espejo, 85, disse à reportagem que é preciso pensar sobre os motivos que levaram o Chile a escolher Kast. "Entender o motivo pelo qual o povo chileno votou majoritariamente em um candidato que representa a extrema-direita. Creio que devemos fazer uma autocrítica. Temos que pensar sobre o que Kast oferecia. O tema dos direitos humanos é fundamental. Com o tempo, Kast baixou de tom e avisou que não libertará presos por crimes de lesa humanidade. Precisamos esperar um pouco para saber sobre o que ele pensa", disse, por telefone. Ela acredita que a composição do gabinete de Kast pode indicar tendências. "Kast terá que formar uma coalizão de partidos, pois não conseguirá governar apenas com o seu partido. Ele precisará da centro-direita e de certos grupos independentes", avaliou Espejo.
Para a ex-secretária, a eleição de Kast traz lembranças de "anos de tanta dor e maldade". "Mas, penso que, hoje, o Chile não aceitará a repetição da história e de horrores, como os cometidos durante a ditadura. O povo chileno está maduro nesse sentido, sabe o que significou a ditadura e a perda da liberdade. A eleição deste domingo mostra que o Chile é um país democrático, que crê profundamente nas instituições e nos direitos humanos. O Chile não permitirá retrocessos", concluiu Espejo.
Mal-estar
Declarações do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, sobre a eleição de Kast repercutiram negativamente no Palácio de La Moneda. "O fascismo avança. Jamais estenderei a mão a um nazista e ao filho de um nazista. (...) Triste que Pinochet teve que se impor à força. O mais triste é que o povo eleja seu Pinochet: eleitos ou não, são filhos de Hitler, e Hitler mata o povo. É o demônio contra a vida, e todo o latino-americano sabe resistir", escreveu Petro na rede social X.
O governo chileno considerou "inaceitáveis" as aspas de Petro. "Entregamos uma nota de protesto ao embaixador da Colômbia no Chile para manifestar nosso incômodo pelas declarações inaceitáveis do presidente da Colômbia em relação à eleição presidencial em nosso país", afirmou o chanceler chileno, Alberto van Klaveren. Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, saudou a "vitória fácil" do aliado ideológico e afirmou: "Ouvi dizer que ele (Kast) é uma pessoa muito boa".
Às 22h de domingo, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva cumprimentou Kast pela eleição e o povo chileno pela participação em "um processo eleitoral democrático, transparente e ordenado". "Faço votos de pleno êxito ao presidente eleito no desempenho de seu futuro mandato. Seguiremos trabalhando com o novo governo chileno em favor do fortalecimento das excelentes relações bilaterais, dos sólidos laços econômico-comerciais que unem Brasil e Chile, pela integração regional e a manutenção da América do Sul como zona de paz."
"O Chile não aceitará a repetição da história e de horrores, como os cometidos durante a ditadura. O povo chileno está maduro nesse sentido, sabe o que significou a ditadura e a perda da liberdade"
Patricia Espejo, 85 anos, ex-secretária de Salvador Allende
"Conheço esse país e sei que ele tem uma larga tradição democrática. Enquanto ser humano, tenho a obrigação de dar a Kast uma oportunidade para que faça o correto."
Moy de Tohá, 89 anos, viúva de José Tohá, ex-ministro da Defesa de Allende
Líder opositora fraturou vértebra ao deixar a Venezuela
A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, sofreu uma fratura vertebral ao deixar a Venezuela clandestinamente e chegar à Noruega na semana passada, anunciou sua porta-voz Claudia Macero. Machado, de 58 anos, recebeu o Nobel da Paz por sua luta por "uma transição justa e pacífica" para recuperar a democracia na Venezuela. A ex-deputada cassada afirmou que temeu por sua vida na perigosa viagem para deixar seu país rumo a Oaslo — a jornada combinou um trajeto de barco até Curaçao e um voo em avião privado com escala nos Estados Unidos. "A fratura vertebral está confirmada", declarou Macero, referindo-se a um artigo publicado no jornal norueguês Aftenposten. "Por ora, nenhuma outra informação será divulgada além do que consta no artigo", acrescentou. Segundo o jornal, a fratura ocorreu enquanto ela era transportada em um pequeno barco de pesca, com o mar agitado.
