O ataque da véspera de Natal contra um complexo de armazenamento e embarque de drogas no litoral da Venezuela, a primeira operação militar dos Estados Unidos no território do país, foi planejada e executada pela Agência Central de Inteligência (CIA), afirma o jornal The New York Times, que cita como fonte altos funcionários da área de segurança do governo Donald Trump. A operação tinha sido comentada pela primeira vez na última sexta-feira pelo presidente, que na segunda-feira confirmou a notícia. O local preciso e uma descrição exata dos alvos continuavam desconhecidos até a noite de ontem, assim como não tinha sido registrado nenhum comentário oficial da parte venezuelana.
Os EUA iniciaram há quatro meses a concentração de um poderio aeronaval inédito ao largo da costa venezuelana do Caribe, com a finalidade declarada de agir diretamente contra os cartéis sul-americanos de narcotráfico — notadamente, na Venezuela e na Colômbia. A iniciativa se seguiu ao anúncio de uma recompensa de US$ 50 milhões por informações que permitam a captura do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, apontado como líder de um governo associado ao crime organizado. Washington formalizou a classificação do grupo Tren de Aragua — cuja existência real é discutida por estudiosos do assunto — como "narcoterrorista" e deslocou para a região o grupo de combate que acompanha o porta-aviões USS Gerald Ford, o maior do mundo. Aviões de transporte e de ataque foram concentrados território norte-americano de Porto Rico.
Nova etapa
Na avaliação do cientista político e advogado Orlando Vieira-Blanco, colunista do jornal venezuelano El Universal e adversário frontal do regime de Caracas, a ação do Natal, embora pareça inicialmente localizada e de alcance limitado, pode marcar a passagem a uma nova etapa do cerco declarado a Maduro pelo governo Trump. "O presidente (dos EUA) anunciou uma agenda de salvaguardas para a luta contra o crime organizado, o terrorismo e o tráfico de drogas proveniente da Venezuela", disse, em entrevista ao Correio. "Estão sobre a mesa novos movimentos de implantação (das medidas)", arrisca.
Vieira-Blanco considera prematuro determinar o possível impacto da ofensiva de Washington sobre os negócios dos cartéis. Em cerca de quatro meses desde a mobilização, a força-tarefa no Caribe realizou mais de duas dezenas de ataques contra embarcações supostamente identificadas como a serviço do narcotráfico. Não foram registradas apreensões de drogas nem prisões, mas o saldo de vítimas é superior a uma centena de mortos. "É certo que isso fecha a passagem (para os cartéis) através do Caribe", afirma o cientista político. "Pelo que se sabe, essa rota se tornou uma das vias para o tráfico de cargas ilegais de todo tipo e mesmo de pessoas."
Rumores insistentes sobre o início de operações encobertas em solo venezuelano, por parte dos EUA, circulavam desde novembro. Na ocasião, chegaram a ser confirmadas por Trump, que no entanto omitiu informações mais concretas. Na última segunda-feira, quando recebeu, em seu resort na Flórida, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ele foi questionado sobre a menção que fizera dias antes ao ataque contra o atracadouro, durante entrevista à emissora de rádio nova-iorquina WABC. O presidente corroborou a notícia, mas se recusou a adiantar detalhes, principalmente sobre as forças e agências envolvidas. "Sei exatamente quem foi, mas não quero falar sobre isso", respondeu.
O possível início de uma etapa que inclui ações diretas em solo da Venezuela, ainda que contra alvos associados mais diretamente ao narcotráfico, se segue à escalada do cerco aeronaval. Nas últimas semanas, a Marinha dos EUA interceptou e arrestou petroleiros que afirmam ter rastreado desde a partida do litoral venezuelano e identificado como integrantes de uma "frota fantasma" que transporta petróleo de maneira clandestina, para driblar sanções impostas pelos EUA, unilateralmente. Os navios foram escoltados para portos norte-americanos e sua carga foi confiscada. O governo de Caracas denunciou as ações como "atos de pirataria internacional". Vizinhos como Colômbia, México e, mesmo o Brasil, questionaram a legalidade das operações, sobretudo por virem acompanhadas de uma retórica em que Trump deixa praticamente explícita a intenção de forçar a saída de Maduro do poder.
Para Orlando Vieira-Blanco, o impacto imediato da escalada sobre Maduro poderá ser "uma quebra em sua coalizão de poder", referência ao apoio construído pelo chavismo, sobretudo nas Forças Armadas. O analista receia, porém, os efeitos sobre o cotidiano dos venezuelanos, em especial "as incertezas, o medo, o isolamento". Ele concorda que é a população "quem sofre mais, impossibilitada de se contrapor à repressão do regime e às forças externas que o apoiam", em uma situação "muito complexa e injusta para os que estão na primeira entre as vítimas de essa realidade penosa".
