Opinião

Nelson Rocha: "uma verdade fiscal inconveniente"

Correio Braziliense
postado em 26/11/2021 06:00
 (crédito: PRI-2611-OPINI)
(crédito: PRI-2611-OPINI)

Nelson Rocha - Secretário de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro

Há um tema crítico no debate econômico do país que repousa relativamente submerso na arena política, mas impõem-se com urgência à discussão nacional: a necessidade de se excluir do teto de gastos as chamadas despesas de capital, aquelas reservas usadas para investimentos. A limitação do uso desses recursos públicos vem se mostrando um grave equívoco em nosso arcabouço econômico, afetando claramente possibilidades de desenvolvimento, geração de emprego e o consequente aumento da arrecadação tributária, haja vista o papel do Estado como indutor desse desenvolvimento. Em síntese, precisamos revisitar o conceito de teto de gastos e lembrar, sem exagero, que nem o mais fiscalista dos fiscalistas ignora, em sua consciência, o quanto essa visão pode estar travando a prosperidade da nação.

O momento é oportuno à discussão franca e pública. O Projeto de Lei Complementar 123, hoje em tramitação no Senado, trata do teto de gastos. Infelizmente, porém, o texto original mantém os investimentos restritos, insistindo na míope visão atual. Precisamos mudar essa abordagem, independentemente de questões partidárias ou políticas. Existe um consenso entre economistas e secretários de Fazenda que é preciso promover desenvolvimento na veia, sem, é claro, abdicar-se da responsabilidade com as finanças públicas. O meio acadêmico e o próprio mercado também conversam cada vez mais sobre a aparente contradição entre responsabilidade fiscal e espaço orçamentário para investir. A grande tarefa que resta então é sensibilizar o Tesouro Nacional, que aplica nos entes subnacionais a mesma cartilha de asfixia criada pelo FMI e imputada mecanicamente à complexidade de nossa economia nas décadas de 80/90. Nada mais equivocado, comprovam os resultados.

A insistência em limitar a capacidade dos investimentos como política de gestão fiscal contribui diretamente com a estagnação de setores econômicos, que poderiam ter seu crescimento potencializado por meio de políticas públicas indutoras de geração de riqueza. Tergiversar nesse ponto é acovardar-se na arena pública. O caminho para o equilíbrio fiscal somente pela redução da despesa não pode ser visto como um dogma, quase um fundamento religioso. O Rio de Janeiro, inclusive, já adotou essa receita ao cortar os seus gastos em 11,3%, retornando ao patamar de 13 anos atrás, a maior redução orçamentária entre os estados no período. Esse esforço, no entanto, mostrou-se insuficiente para resolver a crise financeira fiscal.

O equilíbrio das contas públicas se dará sempre pela saudável correlação de forças entre manter as despesas correntes ajustadas e receitas capazes de suprir as necessidades desses gastos e especialmente dos de capital que proporcionarão crescimento da atividade econômica e a o consequente incremento de arrecadação. Em suma, a saída é o Poder Público ter liberdade e responsabilidade para investir e atuar como indutor do desenvolvimento. As despesas de capital, portanto, precisam sair dessa camisa de força. No estado do Rio, vivenciamos uma incomum situação após corretas políticas do Poder Executivo com o apoio do Legislativo durante o processo de adesão ao novo Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Enquanto temos, em nível estadual, um teto que não considera as despesas de capital e deixa um espaço aberto para os investimentos, a legislação federal, à qual todos estamos submetidos, limita esse tipo de gasto. Essa contradição que enfrentamos agora será encontrada pelos outros estados que aderirem ao RRF se nada mudar.

Ao ancorarmos nosso plano ao RRF no conceito de desenvolvimento como única saída sustentável em longo prazo, assumimos o inevitável papel de iniciar uma nova etapa nas discussões das finanças públicas no país para que outros entes endividados percorram o mesmo caminho. A ótica em buscar o equacionamento da dívida fluminense de R$ 172 bilhões pela abordagem do equilíbrio de contas com ênfase na receita, a partir da diretriz de investimentos como geradora de desenvolvimento, em oposição ao foco restrito da redução de despesas do Tesouro Nacional, deverá entrar para os anais econômicos como uma daquelas verdades inconvenientes necessárias ao bom debate.

 


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