Opinião

Mercedes Bustamante: "os desatinos que não devemos esquecer em 2022"

Correio Braziliense
postado em 17/12/2021 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

MERCEDES BUSTAMANTE - Professora titular da Universidade de Brasília, membro da Academia Brasileira de Ciências

A trajetória parlamentar e a retórica do presidente Jair Bolsonaro, ao longo de décadas de vida pública, eram fortes indicadores do que aguardava o Brasil no início de 2019. Mesmo assim, fomos surpreendidos com a velocidade, a eficiência e o zelo na condução do projeto de desmonte de políticas públicas em áreas vitais como educação, ciência, saúde e meio ambiente.

Em 2022, teremos a oportunidade de refletir não somente sobre as ações do Executivo federal, mas também sobre o Legislativo, que, ativamente ou de forma inercial, contribuíram para solapar a qualidade de vida e o futuro dos brasileiros.

O calvário e a dor da população brasileira no enfrentamento da pandemia de covid-19 não devem ser esquecidos em 2022. A condução irresponsável da crise incluiu a disseminação de notícias falsas, a prática de charlatanismo na defesa de medicamentos com ineficácia comprovada, o atraso na aquisição de vacinas e a sabotagem de estratégias eficazes, como o distanciamento social, o uso de máscaras e a vacinação. Pelos milhares de famílias enlutadas, pelas crianças tornadas órfãs, por aqueles que convivem com as sequelas persistentes da doença e por aqueles que padecem com o agravamento da insegurança alimentar e da fome, não devemos esquecer.

As profundas crises da ciência e da educação brasileiras não devem ser esquecidas em 2022. Os poderes Executivo e Legislativo contribuíram para a redução sem precedentes nas verbas destinadas ao fomento à ciência no Brasil e à manutenção de prestigiadas instituições de ensino e pesquisa. E isso, acompanhado por manifestações claramente contrárias à ciência e pela perseguição a cientistas quando seus resultados ou comunicações de pesquisa desafiaram as fantasias gestadas nas secretarias de comunicação do governo federal.

Na educação, passamos de ministro a ministro com a ilusão efêmera de que o próximo não poderia ser pior do que o anterior. Ledo engano! Assim, paulatinamente, vimos políticas de Estado, construídas ao longo de gestões de governos com diferentes matizes ideológicas, serem destruídas no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Os dois órgãos foram entregues a chefias não capacitadas para as funções e viram seus competentes servidores de carreira perseguidos por defenderem o interesse público. Ao desconstruir o Inep e a Capes, fragilizaram a educação pública em todos os níveis. Não são impactos de fácil reversão e, quanto mais tempo persistir o desmonte, mais difícil será a recuperação. Pelos jovens talentos excluídos por dificuldades de acesso ao ensino remoto, por aqueles que deixam o país para poder seguir fazendo ciência, por aqueles que permanecem em um ambiente cada vez mais adverso à livre prática acadêmica e científica, não devemos esquecer.

O quadro de horror na gestão e nas políticas ambientais não deve ser esquecido em 2022. Desde 2019, o governo do Brasil vem ocupando negativamente as manchetes nacionais e internacionais ao se despir de qualquer resquício de pudor para destruir políticas, leis e instituições de proteção ao meio ambiente e esvaziar a representatividade de seus órgãos colegiados. Os resultados trágicos de tais estratégias estão no avanço dos crimes ambientais e nos ataques aos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais.

A famosa "boiada" do Executivo, liderada pelo infame ex-ministro Ricardo Salles, recebeu apoio substancial da "boiada" do Legislativo, com a aprovação de projetos de lei que corroeram princípios basilares da proteção ao meio ambiente. Novamente, os impactos negativos serão de longa duração e agravados pelas mudanças ambientais globais. Pelas extensas áreas desmatadas e degradadas em todos os biomas e ecossistemas brasileiros, pelos prejuízos à nossa biodiversidade, pela redução de qualidade do ar, das águas e dos solos, não devemos esquecer.

Que os debates públicos em 2022 sejam nova oportunidade para lembrar e defender os valores que nos definem como nação digna em um mundo democrático, inclusivo e sustentável.

* Artigo endossado pela Coalizão Ciência e Sociedade (www.cienciasociedade.org) que reúne cientistas de todas as regiões brasileiras.

 


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