O agronegócio é um dos motores da economia nacional. No ano passado, quando o país registrou mais de 14 milhões de desempregados, criou 150 mil postos de trabalho no campo. Hoje, são cerca de 9 milhões de pessoas empregadas nas mais diferentes atividades do setor, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). A sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) chega a quase 30%. Enquanto os mais diferentes segmentos tiveram suas operações impactadas pela pandemia, a balança comercial do agronegócio nacional apresentou, em 2021, superavit de US$ 105,1 bilhões, resultado recorde das exportações, que somaram US$ 120,6 bilhões — crescimento de 19,7% em relação ao ano anterior.
Os números mantêm o agronegócio brasileiro entre os maiores produtores de alimentos do mundo, perdendo só para Estados Unidos e China. Mas o resultado alvissareiro se dá no país que abriga 116 milhões de pessoas (54,56% da população total) em situação de insegurança alimentar, ou 16,8% das 680 milhões espalhadas no mundo sem condições de acesso à quantidade de refeições recomendadas pelos nutricionistas. Mais: 19 milhões, no Brasil, passam fome, e outros 26,8% dos adultos sofrem de obesidade, decorrente da má alimentação, baseada em produtos baratos, ultraprocessados ou com pouco valor nutritivo.
Há, portanto, um fosso entre o agronegócio e a sociedade brasileira. Os ganhos conquistados pelo setor estão longe de colaborar com a melhoria da qualidade de vida em um Brasil marcado pela desigualdade socioeconômica. A miséria é crescente. A opção dos empobrecidos por alimentos processados, por serem mais baratos, pode saciar a fome, mas acarreta graves danos à saúde. A obesidade por insegurança alimentar, ou má nutrição, é uma realidade preocupante, como ficou demonstrado pelos especialistas que participaram, na última quarta-feira, do Correio Talks Live — Sistemas Alimentares e Desenvolvimento Sustentável. Falta à mesa da população comida de verdade, livre de insumos e produtos químicos que afetam à saúde ou propiciam o desenvolvimento de doenças irreversíveis.
Na mesma quarta-feira, a bancada do agronegócios, ou ruralista, festejou a aprovação do Projeto de Lei (PL) 6.299/2002, que arregaça as porteiras para a entrada de agrotóxicos no país, ainda que tenham sido rejeitados pelas nações mais desenvolvidas preocupadas com a saúde e a vida dos cidadãos. Até então, o uso desses produtos dependia de aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e outros. Se o Senado chancelar o texto dos deputados, o Brasil será o quintal do lixo tóxico rejeitado pelos países desenvolvidos.
Os efeitos colaterais de uma produção de alimentos, por meio de um modelo ultrapassado de produção e que se coloca na contramão da tendência mundial, são ignorados pelos congressistas brasileiros. Embora o Brasil tenha tecnologias avançadas para o desenvolvimento da agropecuária, o setor é criticado pela elevada emissão de gases de efeito estufa, que contribuem para o aquecimento global, bem como pela expansão das áreas de produção por meio de desmatamento de florestas e reservas naturais. Rever técnicas e modelos é medida que se impõe para que a produção brasileira seja, efetivamente, sustentável e sem conflito com o patrimônio natural e se traduza em bem-estar aos consumidores.
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