Guerra no leste europeu

Análise: General Inverno contra a Rússia

Correio Braziliense
postado em 18/03/2022 06:00
 (crédito: Pxhere/Reprodução)
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SÍLVIO RIBAS - Jornalista, escritor, consultor em relações institucionais e assessor parlamentar no Senado Federal

Ao longo da história, a Rússia contou com o frio intenso sobre o seu vasto território como fator determinante a seu favor nas batalhas e nas invasões que enfrentou. O famoso General Inverno foi o responsável pelos fracassos retumbantes de Napoleão Bonaparte e de Adolf Hitler nas respectivas investidas para conquistar Moscou. Sob baixas temperaturas, os russos, agora no papel de invasores, enfrentam outros ventos congelantes vindos do Ocidente e de natureza financeira. A forte reação ao ataque à vizinha Ucrânia produziu sérios efeitos contra a Federação Russa, afetando seu abastecimento doméstico, os seus fluxos de capitais e a cotação da sua moeda, o rublo.

O "cancelamento" político e econômico movido pelos governos e pelas empresas da União Europeia, do Reino Unido e dos Estados Unidos está custando muito caro ao cotidiano do povo russo e ao status quo do presidente Vladimir Putin. A atual invasão russa, com consequências imprevisíveis, provoca medo constante dentro e fora da região do conflito. O inverno econômico que avança impiedosamente sobre a Rússia tem aspectos conhecidos, mas também salienta o espírito do movimento internacional que emula valores reunidos na sigla em inglês ESG, de sustentabilidade ambiental, preocupação social e governança. Trata-se do primeiro teste no front bélico para a atual onda moral e ecológica dos negócios.

A crescente debandada de marcas de peso que romperam rapidamente com o mercado russo inclui Shell, BP, Coca-Cola, Visa, Hugo Boss, Netflix, Amazon, Apple, Dell, Disney, GM, Ford, Google, HP, Intel, Mastercard, Sony, Toyota, Samsung, McDonald's, Starbucks, Unilever e L'Oréal. O resultado imediato desse abandono em massa é mais esfriamento da atividade econômica logo após as dificuldades com a covid-19. A nata do PIB global entende que governos e organismos multilaterais já não são mais suficientes para solucionar os maiores dramas do planeta, a nossa casa comum, tais como as catástrofes climáticas, a exclusão social e as pandemias. É o capitalismo de stockholders mostrando o seu poder na prática, movido a dinheiro de investidores conscientes, a manuais de condutas corporativas e a preocupação reinante com o patrimônio reputacional perante as sociedades.

Contra o congelamento de ativos do país e de seus cidadãos mundo afora e em reação aos bloqueios aéreos e da fuga de empreendimentos, o governo russo promete confiscar os bens deixados pelos estrangeiros. Mas nem mesmo as suas folgadas reservas cambiais podem ajudar, pois também são alvo de sanções. Restará então ao Kremlin fazer chantagem nuclear, com 6 mil ogivas apontadas para o Ocidente, ressuscitando a Guerra Fria? Até quando dará para os camaradas se virarem com ameaças de outras invasões, redobrada censura doméstica e criptomoedas? Enquanto se espera um acordo dos dois lados do conflito para cessar fogo, a inflação dispara na terra dos cossacos, sobretudo nas prateleiras de alimentos básicos, levando milhões de consumidores a fazerem fila e a estocarem produtos. Será esse o começo da venezuelização da Rússia, com o avanço da pobreza e um recuo ainda maior da democracia? A resposta para essa pergunta poderá vir nos próximos dias, com a confirmação ou não da primeira inadimplência russa nos pagamentos externos, o que não significará, por hora, a falência do país, pois há aí um período de carência de 30 dias, até meados de abril.

A campanha invernal em território russo levou à derrocada dos seus invasores no passado. Desta vez, a história engendra novo General Inverno, que traz como primeira lição do maior conflito militar em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial o quão elevado é o custo de invadir um país hoje em dia. "Até aqui, Rússia e Estados Unidos invadiram Afeganistão e Iraque, sem que os demais países impusessem sanções. Graças à Ucrânia, estão descobrindo o preço de invasões", anotou o professor Cristovam Buarque no Correio Braziliense. Segundo o ex-senador, em poucas semanas, Putin deixou de ser o reconstrutor da Rússia e passou à história como líder irresponsável. "Além de invadir uma nação soberana, desfaz a economia do próprio país, devido aos efeitos das sanções que não percebeu que viriam e ao isolamento consequente em um tempo de economia globalizada", completou. Toneladas de neve virão.

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