ELEIÇÕES

Análise: A quem interessa o pluripartidarismo no Brasil?

Correio Braziliense
postado em 18/04/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

BENITO SALOMÃO - Economista chefe da Gladius Research e doutor em economia pelo PPGE/UFU

"As lutas partidárias não são, portanto, apenas lutas para consecução de metas objetivas, mas são, a par disso, e sobretudo, rivalidades para controlar a distribuição de empregos." (Weber, 1917, p. 82)

O Brasil assistiu, recentemente, às movimentações políticas em torno da janela partidária. A própria existência de uma janela partidária já é, em si, um indicativo de anomalia política. Somos a única democracia relevante do mundo a ter mais de 20 partidos representados no legislativo, e em tendo tantos partidos, não temos nenhum.

A citação acima é do clássico Política por Vocação, de Max Weber (1917), que, para além da riqueza de conceitos relevantes, faz uma leitura histórica do processo de formação de partidos nas democracias constitucionais ocidentais. Para Weber, mais do que os princípios doutrinários, os partidos buscam a ocupação dos empregos no Estado visando manter as tradicionais relações de dominação sobre as quais o autor discorre. Portanto, os partidos buscam poder, e a ocupação dos empregos públicos é um instrumento utilizado para este objetivo.

Os partidos têm, ainda, uma segunda função. São eles os responsáveis pelo filtro entre quem pode, ou não, chefiar o gabinete ministerial, ocupar empregos públicos e concorrer às cadeiras no parlamento. Como dito, nas democracias relevantes, o número de partidos é bastante diminuto, com isso, a ocupação de empregos públicos por agentes políticos, ou a indicação para concorrer às cadeiras no parlamento, depende de um relacionamento partidário prévio, uma história no partido pelo qual o político almeja ser indicado. Isso dá certo poder de veto à elite partidária quanto aos nomes que irão, ou não, ocupar cargos. Serve, também, para criar uma identidade entre o político e o partido.

Ademais, uma elite partidária forte pode resguardar as democracias do populismo. O exercício político em Weber é, antes de mais nada, um exercício de dominação que pode se dar sob três formas puras: i) legal racional; ii) tradicional; e iii) carismática. Tais formas de dominação pressupõem um certo consentimento na relação entre dominadores e dominados. Sendo o carisma uma forma de dominação, as democracias passam a ser terreno fértil para a insurgência do político demagogo. "Desde que existem os Estados constitucionais e mesmo desde que existem as democracias, o "demagogo" tem sido o chefe político do ocidente" (p. 97).

Olhemos para o Brasil, onde mais de 20 partidos têm assentos no Congresso. O primeiro problema é que o número de vagas para acomodar indicados por tantos partidos tem que ser majorado. Empregos públicos em funções comissionadas se multiplicam na União e em toda a federação, critérios técnicos para o preenchimento dessas vagas são, via de regra, dispensáveis. Uma segunda característica desse formato é que, se existem muitos partidos, o filtro para indicação dos empregos desaparece, e os partidos tornam-se cartórios de homologação de candidaturas, passando a rivalizar por quadros políticos. Com isso, projetos individuais passam a ter mais importância do que projetos coletivos ou partidários.

Isso foi o que se viu no Brasil durante a janela partidária. O assédio explícito de umas legendas a quadros políticos de outros partidos. Candidatos tendo incentivo para burlar prévias partidárias, a depender do resultado, como forma de viabilizar o seu projeto pessoal. Discussões acerca de problemas reais do Brasil ficaram paralisadas para que políticos trocassem de partido, considerando exclusivamente interesses próprios. A infidelidade partidária se soma ao vácuo intelectual e programático, e o único critério levado em conta para escolha de candidatos e de siglas é o desempenho em pesquisas eleitorais ou as contas do coeficiente eleitoral, ou do fundo partidário.

A desmoralização da instituição partido no Brasil é tão grande que o presidente da República governou, talvez mais da metade do seu mandato, sem um partido político. De que forma se organiza a base de sustentação no parlamento quando o presidente não representa um partido? Que tipo de vínculo um parlamentar tem com outro parlamentar ou com o executivo se a identidade partidária foi dissolvida? Não faz bem para a democracia a coexistência de dezenas de partidos, o Brasil precisa de poucos partidos, porém fortes. A ausência de uma elite partidária induz a infidelidade, prolifera o baixo clero e possibilita o surgimento do político demagogo, no sentido weberiano, capturando o eleitor pelo carisma.

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