ELEIÇÕES

Análise: Por que as pesquisas eleitorais importam?

Correio Braziliense
postado em 12/05/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

HELCIMARA TELLES - Historiadora, cientista política, professora da UFMG e presidente da Abrapel

A Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel) acaba de ser fundada. Já reúne cerca de 300 filiados do mercado e das universidades que lidam com pesquisas qualitativas e quantitativas. São cientistas políticos, sociólogos, comunicólogos, psicólogos, neurocientistas, estatísticos, jornalistas e outros profissionais de disciplinas constituídas para a compreensão da dimensão eleitoral.

O nascimento da Abrapel coincide com as eleições presidenciais brasileiras e se insere num contexto internacional de reconhecido combate aos métodos científicos e de crescimento dos estudos sobre agnotologia. Trata-se de nova ciência que investiga a "produção da ignorância" de forma intencional.

O conceito, disseminado pelo americano Robert Proctor (Universidade de Stanford), foi esmiuçado no livro Agnotology: the making and unmaking of Ignorance (Agnotologia: a construção e a desconstrução da ignorância), de 2008. Há anos, os negacionistas vêm produzindo conteúdo falsamente científico para difundir desinformação e dúvidas sobre o conhecimento de pesquisadores e pesquisas eleitorais.

A agnotologia também busca revelar as estratégias para dar credibilidade à ignorância produzida. Nas redes sociais, são recorrentes as mensagens falsamente científicas sobre pesquisas eleitorais, usando métodos jornalísticos. Portais são criados com aparência de confiabilidade, mas publicam notícias falsas ou descredenciam profissionais e institutos. A ignorância não nasceu nas redes, mas, com a expansão dessas mídias, numa sociedade do espetáculo digitalizado, a disseminação da informação falsa ganhou velocidade e escala, sendo extremamente difícil para instituições e pesquisadores a desmentirem.

A ignorância passa a ser ferramenta para confundir. E, numa campanha eleitoral polarizada como a atual, um dos alvos é a pesquisa eleitoral. Levantamento recente mostrou que grupos de WhatsApp, Telegram e canais no YouTube promovem a deslegitimação das pesquisas eleitorais. Em seu lugar, bolsonaristas recorrem a um "DataPovo" — medem a opinião popular supostamente concentrada em encontros que envolveriam multidões nas ruas para apoiar um político.

Numa sociedade de baixa escolaridade como a brasileira, não é difícil convencer o público de que pesquisas eleitorais são comprometidas com alguma força de oposição ao político preferido — o engano, contudo, não se restringe a uma faixa educacional ou de renda. Isso vale, especialmente, para grupos de extrema-direita, mas ocorre em menor medida no discurso de indivíduos dos campos da esquerda e do centro. Como a argumentação é simples, pega.

O eleitor precisa conhecer e confiar em métodos científicos, mas eles estão constantemente postos sob suspeita. Quando ele assiste a uma multidão nas ruas com seu candidato e desconhece métodos de apuração de preferências políticas, orienta-se pelo que vê — imagens difundidas pelos produtores da ignorância. O DataPovo é validado, pois o senso comum se identifica com aquilo exibido como as "vozes das ruas".

Por seu lado, o eleitor médio não tem ferramentas nem tempo para se informar. Tende a descartar o que lhe causa desconforto e contraria seus valores, ideologias e expectativas em relação a um político. Uma vez decidido, as pesquisas, mesmo as falsas, podem reforçar suas opiniões. Mas e se o eleitor ainda está indeciso? Para que servem as pesquisas? São fontes de informação para reduzir o grau de incerteza sobre o futuro. Realizadas de forma científica, podem ajudá-lo a manter o voto ou a escolher outro candidato que se aproxime mais de sua maneira de pensar, ainda que não seja o preferido. É o chamado voto útil.

Pesquisas sérias importam. Fornecem informações mais fidedignas sobre o momento da opinião pública e das disputas. Contribuem para que o cidadão, numa democracia, possa decidir da forma mais racional possível. Mas, quando dados falsos são divulgados como reais, quando a descrença é maior que a confiança, como o cidadão comum pode fazer suas escolhas?

Essas questões norteiam a Abrapel. Nosso compromisso é produzir e divulgar conhecimento científico para compreender a sociedade brasileira. Queremos desafiar o atual contexto de produção da ignorância, no qual análises da realidade eleitoral têm, muitas vezes, suportado mais ideologia do que informação científica.

Há muitos desafios a enfrentar pelos pesquisadores eleitorais. A ampliação dos canais de comunicação entre a ciência e a sociedade é essencial para reduzir os enormes danos sociais produzidos pela desinformação.

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