GILMO FRANÇA - Formado em direito (PUC-MS/UDF), pós-graduado em segurança pública (Unitis), professor, escritor e empresário da segurança privada
Não é novidade alguma o fato de que existe um enorme potencial de uma pessoa preta, numa relação de consumidor de produtos de luxo, ser confundida com prestador de serviço do local. Não que isso tenha um condão pejorativo, mesmo porque ter um emprego deve ser algo dignificante para qualquer pessoa. Porém, o que acontece é que a sociedade, estruturalmente, não está acostumada com o que, bem lentamente, está acontecendo: a quebra dos antigos conceitos enraizados que separavam quem serve e quem era servido, exclusivamente, pela cor da pele.
Se você tem mais de 40 anos, é afrodescendente e conseguiu, de uma forma ou de outra, "chegar lá", certamente vai se identificar com esse e outros relatos de constrangimentos. Essa nova realidade em que a diversidade étnica, minimamente, começa a frequentar estabelecimentos caros, traz certo espanto para os proprietários das empresas que tentam, a muito custo, demonstrar naturalidade. Eventos que outrora eram monocromáticos revelam agora alguns pontos escuros na multidão, aqui e ali. E os empresários pegos pela inocência ou na onda do black consumers matter cometem uma série de gafes, imperceptíveis aos olhos de muitos, mas marcantes para quem as sofre.
Vamos levá-los, pelo menos hipoteticamente, para esse universo de gentilezas agressivas sofridas pela comunidade preta, quando imersa em ambientes que outrora tinham apenas a cor branca como frequentadora possível. Como exemplo, suponha um parque famoso nos Estados Unidos, um circo francês ou mesmo um cruzeiro marítimo, em que são comuns as abordagens "positivas" das minorias presentes, para comporem eventos interativos gratuitos com o público geral. Acontece que, se você é pincelado entre mil pessoas uma única vez, você nem percebe, porém, se você é escolhido "aleatoriamente"; na maioria das vezes que frequenta esses locais, algo de diferente tem que ser observado, ao menos pelos incomodados.
O fato de ser escolhido numa multidão, por estar no lugar certo e na hora certa, com a possibilidade de participar de um espetáculo, interagindo com artistas, palhaços e mágicos… parece ser algo bom e divertido. No entanto, ser literalmente caçado e apenas por ser o diferente do local, servindo como peça exótica para compor o espetáculo, além de constrangedor para o consumidor, retira-lhe momentos essenciais de lazer que a alto custo foi adquirido quando buscou o serviço contratado.
No exato momento dessas incômodas abordagens, os organizadores do evento passam a interferir negativamente na individualidade do consumidor e o que se extrai dessa relação, embora positiva se considerarmos o aspecto geral, é a revelação de que o único prejudicado foi o escolhido, pois socialmente pressionado não consegue se desvencilhar do assédio. Temos a certeza de que, enquanto não alcançarmos patamares justos e equânimes de oportunidades para todos num cenário mais igualitário, englobando toda a população principalmente de pretos e pardos, essa confusão entre as funções consumidor/prestador de serviços e as desagradáveis seleções propositais vão acompanhar os poucos emergentes que ingressarem nesse ambiente de alto padrão.
Observada de forma asséptica e profissional, a nova relação de consumo se apresenta como enorme oportunidade de publicidade e os empresários mais atentos tendem a explorá-la ao máximo, transformando tudo em interesse de marketing comercial. Então, se se trata de relação comercial que sejam contratados mais atores e funcionários do alto escalão pretos e pardos para suprir essa necessidade. Usar gratuitamente a figura de um consumidor para auferir vantagem comercial é no mínimo desrespeitoso, uma vez que lhe é subtraída a possibilidade de dizer não frente a uma iniciativa tão "gentil" por parte da empresa.
As escolhas não devem sair do padrão da busca de voluntários entre os que se apresentaram e se prontificaram para tanto. E enquanto ainda não conseguimos esquecer a cor da pele das pessoas, que façamos as separações sem discriminação de qualquer natureza, entre pretos, brancos, vermelhos ou amarelos. Oportunidades iguais para todos já. Por fim, apoiamos as ações que visam mostrar a diversidade na relação de consumo. Elas são indiscutivelmente positivas, no entanto, jamais devem ferir os limites individuais das pessoas, sobretudo das minorias que ali estão emergentes e em condição de fragilidade numérica.
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