EDITORIAL

Visão do Correio — Pacificação: difícil e imprescindível

Correio Braziliense
postado em 03/10/2022 06:00

O Brasil supera o primeiro turno da eleição mais polarizada desde a redemocratização dividido, com cicatrizes, feridas abertas e urgências. E todas elas constituem um desafio do tamanho deste país continental para parlamentares, a começar pelo Senado, passando pela Câmara dos Deputados e assembleias e chegando aos Executivos federal e estaduais, que parte deles ainda precise enfrentar a maratona do segundo turno para definir o nome dos eleitos — principalmente aquele em que o antagonismo é maior: a Presidência.

Divisão entre lulistas e bolsonaristas à parte, União e unidades da Federação, independentemente da coloração política dos escolhidos nessa fase da eleição, precisam com urgência começar a encarar a difícil tarefa de começar a pacificar um país no qual os últimos dias pré-votação foram marcados por uma escalada de tensões, quando não de agressões, atentados e até mortes. Mesmo que o novo desenho de poder no Brasil ainda demande cerca de um mês para ser totalmente definido, apaziguar os ânimos é indispensável não apenas para que o país enfrente o próximo mandato de quatro anos, mas até para que os atuais governos não transformem o que resta de 2022 em mera continuidade dos embates nas urnas ou em tempo perdido.

Tanto quanto dinheiro, tempo é recurso que o Brasil e seus problemas não podem se dar ao luxo de desperdiçar. Para além das disputas políticas, dos governos que precisarão passar pelo processo nem sempre tranquilo da transição e transferência de poder e dos que terão de se reinventar em segundo mandato, desafios administrativos se empilham frente a gestores e parlamentares, qualquer que seja a esfera que se considere.

Na economia, entes federativos de todos os níveis devem lidar com o endividamento, público e privado, com a necessidade de crescimento, de geração de emprego e renda e com a urgentíssima superação dos efeitos da pandemia; na educação, da mesma forma, com o atraso representado por dois anos de aulas remotas, que veio se somar às já enormes diferenças e deficiências de aprendizado, à dificuldade de manutenção dos alunos na escola e de financiamento do ensino público; na saúde, com um sem número de processos represados pelo período em que salvar as vítimas do coronavírus era prioridade absoluta. Isso apenas para citar algumas das pendências mais urgentes.

E todas elas têm repercussão na área que talvez acumule a maior quantidade de desafios: a social. Apesar dos recentes debates sobre o tamanho da fome no país, um fantasma que aflige milhões de brasileiros, basta caminhar pelas ruas para perceber que a carência de segurança alimentar que é tão concreta quanto urgente. Mesmo com recuos na taxa de inflação, os preços dos alimentos e de outros itens básicos seguem pesando no orçamento das famílias, e há muito deixaram de ser um problema apenas para as de baixa renda. Multiplicação da população em situação de rua, aumento do abismo socioeconômico, das disparidades de acesso a serviços essenciais... A lista nessa seara é imensa.

Mas eles talvez possam ser resumidos simbolicamente em um estudo que diz muito sobre o futuro do Brasil, ao tratar de sua matéria-prima mais importante: os brasileiros. Trabalho de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz que investigou a mortalidade infantil entre 2012 e 2018 considerando o fator etnorracial retrata um país de profundas desigualdades. Segundo o estudo, diarreia, má nutrição e pneumonia são as condições mais associadas à morte de brasileirinhos antes dos 5 anos. E, de acordo com os dados, a diarreia afeta 14 vezes mais a vida das crianças indígenas que a de nascidas de mães brancas. A má-nutrição chega a 16 vezes e a pneumonia, a seis vezes mais. Entre filhos de mulheres negras, riscos foram quantificados em 72% a mais para diarreias, 78% para pneumonia e duas vezes mais por nutrição insuficiente.

O trabalho é muito mais amplo e considera também fatores como pré-natal, estado civil e escolaridade das mães, mas esses dados são indicativo suficiente das urgências que um Brasil dividido precisa enfrentar, a começar, simbolicamente, pelas vidas daqueles que construirão seu futuro. E aponta para a necessidade premente de se conviver com as diferenças ideológicas, tratar as feridas eleitorais e cuidar do que realmente importa e é, ou deveria ser, a razão de da política: a população.

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