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Artigo: A ciência, por um instante, sonha

Correio Braziliense
postado em 05/10/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

ANDRE KAURIC DE CAMPOS - Jornalista científico e doutor em comunicação pública da ciência, tecnologia e inovação

Haverá quem saiba transformar a luta dos cientistas e dos pesquisadores contra o vírus em um marco político, social e econômico para a ciência brasileira. Uma oportunidade de ouro, capaz de arrastar multidões daqui para a frente em defesa do conhecimento. Início do sonho. As pessoas podem estar despertando para a ciência. A ciência deixa de ser dândi e blasé e, finalmente, vira propriedade nacional autêntica do povo brasileiro.

É um caminho sem volta. Quando algo começa a atrair grande público, passa a ser cobiçado e bem remunerado. Com a credibilidade, o patamar de investimento é outro. Infraestrutura, incentivos e criação de centros, órgãos, instituições de pesquisa estaduais e regionais. Formação de mestres, doutores e equipe técnica. Geração de ciência, tecnologia e inovação continuada e sustentável. Sempre em parceria com a indústria e as empresas.

Com a massificação, a ciência passa a ter importância política. Já pensou? O uso político da ciência, não mais o uso manipulativo da ciência por políticos. A ciência como critério chave para a mobilização do eleitorado. E o que dizer daquele célebre e ultrapassado discurso político: "Mais vale investir em massa asfáltica para tapar buraco do que investir em ciência e tecnologia"?

Mais ainda. Uma cultura científica em plena ascensão no país do futebol, da música, da telenovela. Que tal? Feiras científicas e olimpíadas do conhecimento arrefecendo a economia de diversas cidades do Brasil. Eventos de divulgação científica despertando atenção, interesse, conhecimento, curiosidade e números assim como qualquer evento de e-sport ou edição do BBB. Uma comunidade engajada, consciente, crítica e participativa das tecnologias e inovações.

Ter a melhor ciência do mundo ou top em três diversas áreas do conhecimento vai virar obsessão. A cada ano um brasileiro entre os três indicados de alguma categoria do Nobel, assim como no prêmio de melhor jogador da Fifa ou filme indicado ao Oscar. Fim do sonho.

Até agora não passa de um sonho. Os arautos midiáticos da pandemia informativa do vírus reinam e contaminam a imagem pública da ciência. Especulam resultados de estudos e pesquisas ainda em andamento, ignoram o posicionamento das principais instituições científicas e interpretam de forma deturpada as vozes dos principais representantes da ciência brasileira. Aliás, a ciência parece não ter voz. Está encurralada, refém e facilmente sufocada por qualquer opinião da aldeia global.

As instituições que fazem pesquisa e defendem o progresso brasileiro via ciência precisam se unir e adotar um posicionamento mais agressivo. É preciso um pacto de comunicação público audacioso, para além dos discursos institucionais e burocráticos. Diga-se de passagem, até o momento, tão invisíveis e silenciosos. É preciso fazer barulho e se comunicar. E não estou falando de palmas na sacada ou cartas com milhares de assinaturas. Algo mais ambicioso, destinado à população.

Será esse o momento da maturidade científica da democracia brasileira? Quem ou qual grupo ou instituição será capaz de transformar esse momento em um marco? A ciência brasileira é muito grande e precisa mostrar seu valor. O sonho pode virar realidade.

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