política

Artigo: Um grande Portugal

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF
postado em 22/11/2022 06:00
 (crédito: Rodrigo Curi / Unsplash)
(crédito: Rodrigo Curi / Unsplash)

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

Há 12 anos, quando o então presidente Lula entregou a faixa presidencial para sua aliada Dilma Rousseff, o mundo era diferente. Nos Estados Unidos, pela primeira vez, um negro alcançava a presidência. Barack Obama irradiava esperança e insinuava novos tempos. Seu representante na política internacional era o vice-presidente Joe Biden, político experiente. Na economia, o processo de globalização era venerado e praticado em todos os recantos do mundo. As principais empresas procuravam produzir com menor custo em qualquer lugar do planeta, porque a economia se transformou num processo global.

O mundo se tornou um lugar menor. No Brasil e nos Estados Unidos, essa política provocou forte movimento de desindustrialização porque empresas nacionais transferiram suas operações para onde o custo era menor. A globalização produziu desemprego em larga escala. E provocou o surgimento de uma extrema direita arrogante, belicosa e nada democrática. O fenômeno produziu Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil, entre outros líderes de tendência semelhante que pipocaram na América e na Europa.

Essa é uma diferença básica entre o momento atual e aquele em que Lula passou a faixa presidencial à sua correligionária. O mundo mudou muito desde então. A globalização foi torpedeada pela pandemia que provocou a interrupção das correntes de produção em diversos locais do planeta, encareceu o transporte e travou a produção industrial. Os preços subiram e a inflação passou a preocupar até países estáveis como Inglaterra e Suíça. A guerra na Ucrânia influenciou no comércio de petróleo, gás, fertilizantes e trigo. Diante disso, os grandes produtores passaram a optar pelo modelo anterior: ter fornecedores perto de sua localização. A globalização entrou em crise.

Transição política é momento curioso. Os limites não são claros. O atual presidente não conhece a real extensão de seu poder, nem o futuro ocupante percebe com clareza o espaço colocado à sua frente antes de sentar-se na cadeira presidencial. No caso brasileiro, neste final de 2022, a situação ficou um pouco menos confusa porque o presidente Jair Bolsonaro entrou em crise tanto psicológica quanto física. Abateu-se com a derrota e passou a sofrer de uma infecção chamada erisipela. É difícil digerir a derrota. Sumiu da cena política.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, passou por Brasília, deu as diretrizes para seus principais assessores e deixou o abacaxi nas mãos de seu vice, Geraldo Alckmin, para descascar os problemas. Ele e seus colegas já designaram mais de 200 pessoas para o escritório de transição, embora poucos tenham sido efetivamente nomeados. Lula está voando alto no jatinho de seu amigo, um Gulfstream600, capaz de chegar a 45 mil pés de altitude e viajar sem escalas entre São Paulo e Cairo, no Egito. Um luxo. Ele se reuniu com representantes da China, Estados Unidos, Alemanha, Noruega e com secretário-geral da ONU para conversar sobre defesa do meio ambiente. Fez a estreia no palco central da reunião em Sharm el-Sheikh falando claramente sobre preservação da floresta amazônica, política de desmatamento zero e proteção dos povos originários.

Sucesso total. O Brasil retornou ao palco das relações internacionais. Em Brasília, seus companheiros estão quebrando a cabeça para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional que abre espaço para gastar algo em torno de R$ 200 bilhões destinados ao pagamento do bolsa família e outros mimos. O problema é que gasto em excesso provoca inflação. O investidor tira dinheiro da bolsa de valores e provoca queda de preço das ações. O dólar sobe. É briga antiga. Entre gastar mais ou menos. Respeitar os limites ou avançar sobre as linhas de prudência para atender às urgências nacionais.

Lula vai responder a essas questões quando anunciar seu ministério. Boa parte dos quase 300 integrantes da comissão de transição vai ficar no sereno. A lua de mel será curta.

Ainda lhe resta conversar com os militares. Diálogo difícil. Depois de eleito, em 1985, Tancredo Neves se reuniu em segredo com Valter Pires, homem forte do Exército, na época. Desse encontro resultaram os limites da Nova República. E garantiu a transição tranquila. Algo parecido vai ocorrer nos próximos dias em Brasília. Enquanto isso não acontece, o presidente eleito foi recepcionado, incensado e louvado em Lisboa tanto pelas lideranças portuguesas quanto pela grande colônia de patrícios que decidiu atravessar o Atlântico e fixar residência no além-mar. É o final da festa do giro internacional do presidente eleito. Na pátria mãe, também houve uma difícil transição de poder depois da Revolução dos Cravos em 1974. Há semelhanças. Alguém já disse que o Brasil pode se tornar um grande Portugal.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação