NOVO GOVERNO

Artigo: PEC da Transição não deveria ser mais do que uma PEC de transição

Reginaldo Nogueira
postado em 15/12/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

REGINALDO NOGUEIRA - Ph.D em economia e diretor-geral do Ibmec SP e DF

A proposta da PEC da Transição conforme aprovada pelo Senado Federal é um retrocesso econômico e institucional. A proposta orçamentária inicial considerava R$ 105 bilhões para a manutenção do auxílio Brasil em R$ 400 e seriam necessários cerca de R$ 70 bilhões para elevar a R$ 600, conforme promessas feitas por ambas as campanhas durante o processo eleitoral.

Assim, se a PEC encaminhasse algo próximo a R$ 70 bilhões fora do Teto dos Gastos em 2023, seria absolutamente razoável e esperado, sem grandes efeitos sobre os humores do mercado. Seguindo essa linha, o novo governo teria espaço para manter a promessa de manutenção do programa vigente de transferência de renda, ao mesmo tempo que poderia propor mudanças mais profundas ao longo do próximo ano, de forma a abrir espaço no orçamento de 2024. Mas não foi essa a proposta aprovada.

Nos atuais termos, a PEC é um pedido antecipado ao Congresso Nacional para que o país volte a ter deficits primários em 2023 e 2024. Não é de estranhar que o mercado tenha encarado como uma sinalização de irresponsabilidade fiscal prévia do governo eleito.

Resultados fiscais de outubro apontam um superavit primário acumulado em 12 meses de 1,8% do PIB, ou aproximadamente R$ 170 bilhões. Logo, a PEC da Transição por si só já zera esse superavit. Dado que a dívida pública está ao redor de 77% do PIB, é natural que qualquer movimento que aponte em direção oposta à consolidação fiscal seja recebido com ceticismo e muito mau humor.

Para tornar tudo mais difícil, o texto da PEC cita a MMT (Modern Monetary Theory), uma teoria que sugere que países que emitem a própria moeda não precisam se preocupar com a dívida pública, pois ela sempre poderá ser paga a partir de mais emissão monetária. Essa teoria ignora décadas de evolução da teoria macroeconômica (pelo menos desde os anos 1970), e pode jogar um país em rota de alta inflação.

Mas, indo além, como agora o nosso Banco Central é independente por lei e não é obrigado a acomodar a política de expansão de gastos, temos claramente sinalização de políticas contraditórias. Nosso risco de curto prazo é vislumbrar uma política fiscal expansionista conjugada com uma política monetária contracionista. E o resultado dessa combinação deve ser taxa de juros mais altas.

Esse ponto é que não podemos ignorar: o risco de que essas sinalizações e movimentações econômicas nos coloquem com juros mais altos por muito tempo. A lógica econômica que parece guiar o governo que assume é de um keynesianismo otimista, que acredita que o gasto autônomo do governo encontrará um grande multiplicador do PIB. Todavia, em uma economia altamente endividada como a brasileira, a literatura empírica é clara ao mostrar que não faz sentido esperar que esse seja o caso.

Isso pelo fato de que o aumento da despesa autônoma do governo vai pressionar a taxa de juros, reduzindo o investimento privado. Indo além, o próprio histórico brasileiro sugere que, com a ampliação do deficit público, devemos observar um crescimento do deficit em conta corrente, por meio de valorização do câmbio real, também reduzindo o efeito multiplicador do gasto público.

Rediscutir o arcabouço fiscal brasileiro não é tabu, mas deve ser feito de maneira responsável e equilibrada. Em especial, isso deveria passar também pela avaliação de desonerações, regimes tributários e subsídios. Mas isso não pode ser feito em algumas semanas antes de um novo Congresso e governo assumirem. Ao trazer para a PEC da Transição não apenas a travessia de 2023, mas uma ampliação agressiva de gastos por dois anos, o governo eleito atropela o processo e gera turbulências econômicas desnecessárias.

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