EDITORIAL

Visão do Correio: Necessidade de energia barata

O Brasil iniciou 2023 em uma condição muito mais favorável do ponto de vista da oferta de energia de fonte renovável e com custo consideravelmente inferior ao verificado entre meados de 2001 e o início de 2022, quando os preços do megawatt (MW) passaram de R$ 600. Os reservatórios das hidrelétricas das usinas do Sudeste e Centro-Oeste, que respondem por 70% da capacidade de geração hídrica do país, estão hoje em 82,54%, o melhor nível desde 2007 e muito longe dos 35,4% no mesmo período de 2021, quando o Brasil enfrentou uma crise hídrica que levou ao acionamento de termelétricas e ao aumento dos preços da energia. Mais do que baratear o custo da energia elétrica de fonte hídrica — hoje na casa de R$ 52 o MW —, o nível dos reservatórios permite ao Brasil gerenciar o uso das águas de forma a evitar novas crises ou minimizar o impacto dos períodos de escassez hídrica.

Para que isso ocorra efetivamente existem iniciativas que integram usinas de geração eólica com painéis solares, permitindo o fornecimento de energia ao longo das 24 horas do dia, uma vez que a energia solar tem geração firme durante o dia e as eólicas se beneficiam da maior incidência dos ventos à noite. As fontes renováveis no Brasil, principalmente a solar, crescem a passos largos. No ano passado, a fonte solar registrou um aumento de 78%, enquanto a eólica teve alta de 12%. A hidráulica, por causa do maior nível dos reservatórios, teve expansão de 16%. Essas fontes permitem que o país obtenha 78% da energia elétrica que consome de fontes renováveis. Na matriz energética total, as fontes renováveis representam quase 50% de toda a energia consumida no país, enquanto em todo o mundo esse percentual é de apenas 15%.

Esse quadro coloca o país em uma situação confortável em relação às exigências da transição energética por causa das mudanças climáticas. E o país deve aproveitar essa posição para consolidar novas tecnologias para a geração de energia, como eólicas offshore, geração a partir dos resíduos sólidos urbanos, o hidrogênio verde e o gás natural que hoje é queimado nas plataformas do pré-sal. Mas o Brasil deve aproveitar o momento para olhar não apenas para a expansão da oferta de energia renovável e se voltar para transformar a relação de consumo de energia elétrica no país, dando aos brasileiros a mesma condição existente hoje para clientes de eletricidade em países da Europa.

Com o aumento da participação das fontes renováveis e a possibilidade da autogeração de eletricidade dando folga na transição, é preciso que Legislativo e Executivo se voltem para promover uma transição na relação de consumo de energia elétrica pelos brasileiros, hoje presos ao fornecimento de uma única empresa que atende a uma região. É preciso que essa relação se torne livre, com os consumidores podendo contratar a compra de energia de qualquer fornecedor, como ocorre hoje na telefonia móvel. É preciso estender aos consumidores residenciais os benefícios que os grandes consumidores obtêm no mercado livre de energia, que já representa mais de 35% da demanda de eletricidade no Brasil, com custos cerca de 30% menor para as contratantes.

É preciso que os consumidores residenciais possam se beneficiar da redução no preço da energia a partir da competição das empresas. Hoje, essa ampliação do mercado livre para todos os consumidores está prevista no Projeto de Lei 414/32021, que tramita no Congresso e é apontado como novo marco do setor elétrico. A proposta foi aprovada no Senado e chegou à Câmara dos Deputados desde o primeiro semestre do ano passado. Como a conversão não se dará de forma imediata, é necessário que os deputados se mobilizem para aprovar a medida, que vai beneficiar os mais de 80 milhões de unidades consumidoras de energia no país.

O projeto prevê que a liberação do mercado para os clientes de baixa tensão (residências e pequenos comércios) ocorra em 42 meses, ou três anos e meio, tempo suficiente para que os agentes do setor se adaptem. É preciso avançar no atendimento às necessidades das mudanças climáticas, mas tão importante quanto, ou mais, no curto prazo, e modernizar a relação de consumo de energia no Brasil.

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