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brasília 63 anos

Artigo: A cidade prometida

esp-2104-artigo brasília caderno especial -  (crédito: Caio Gomez)
esp-2104-artigo brasília caderno especial - (crédito: Caio Gomez)
Leandro Grass
postado em 25/04/2023 06:00

LEANDRO GRASS - Sociólogo, professor, mestre em desenvolvimento sustentável e gestor cultural, é presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

No dia 21 de abril, Brasília completou 63 anos. Em meio a amor, contestação e sonho, a capital política e administrativa do país foi deslocada do Sudeste para o Centro-Oeste com a promessa de induzir o desenvolvimento para o interior do país. Mais do que isso, Brasília também nascia da intenção de criar uma cidade inovadora, referência para o mundo, capaz de proporcionar os ganhos de um ciclo de direito e cidadania que o Brasil e o mundo esperavam após tantas barbáries vividas. Para além de uma arquitetura e um planejamento inusitados, projetava-se aqui um novo Brasil de oportunidades e justiça social.

Porém, na prática, a gênese da cidade e as relações sociais estabelecidas em seu processo de construção demonstraram contradições. A exploração desumana da mão de obra, o alojamento de trabalhadores em condições precárias, a erradicação dos chamados "invasores" para áreas sem qualquer infraestrutura e a exclusão do acesso aos principais bens por eles erguidos frustraram boa parte da expectativa de uma capital para todos os brasileiros.

A chaga da marginalização social e geográfica não foi desfeita e permanece como marca do modelo de crescimento e desenvolvimento de Brasília: urbanamente desordenado, politicamente populista, socialmente excludente e ambientalmente predatório. Porém, preciso ressalvar que essa não foi uma lógica totalitária, mas majoritária. Reconhecer as exclusões dessas mais de seis décadas de história não significa esquecer e negar o que houve de inclusivo e inspirador na nossa trajetória.

Pois, para implementar e consolidar um novo plano de metas para transformar a capital brasileira em referência de políticas públicas, cidadania e dignidade humana, precisamos olhar para nós mesmos, livrando-nos dos mitos de uma cidade fria, funcional, isoladora e injustamente estigmatizada como o lugar das maracutaias protagonizados por pessoas que em grande parte nem são daqui. A cidade que queremos passa pela multiplicação daquilo nasceu de bom através da luta e da dedicação de candangos e brasilienses que, ao invés de indiferença e ódio, plantaram esperança no nosso chão.

Nossa safra de boas práticas, experiências e avanços não é pequena. Impossível não reconhecer a organização comunitária séria e comprometida que acontece nos diversos cantos do nosso quadrilátero, as experiências de sustentabilidade urbana e rural que viraram referência para o país, nossos empreendimentos potentes e inclusivos, as inovações das nossas instituições de ensino, a força cultural dos artistas brasilienses, a culinária brasileira ofertada em milhares de estabelecimentos e feiras da cidade, a ocupação criativa que foi implementada em diversos espaços públicos, a solidariedade de incontáveis instituições e organizações da sociedade civil que atendem os vulneráveis, o engajamento das lideranças religiosas sérias na promoção da paz social, a luta política que nos permitiu avanços legislativos e sociais, e tantas outras coisas.

É claro que há motivos para indignação, como o transporte precário, a gestão desumanizadora da saúde, os teatros fechados e a desvalorização dos profissionais da educação. Porém é preciso olhar para o futuro com sede de mudança, pois reforçar problemas não gera soluções.

Defendo um grande pacto por Brasília. Não entre aqueles que, mesmo sendo de uma nova geração, integram o núcleo predatório e oportunista que só quer se perpetuar no poder. Mas entre os que realmente acreditam e estão dispostos a colocar a mão na massa para fazer as coisas acontecerem. Brasília precisa de gente corajosa, que gosta de dialogar e construir. Precisa de ousadia para romper as velhas práticas sociais e políticas que fazem esta cidade ser para poucos. Que peite os cartéis e os esquemas só para os amigos. Que abra as caixas pretas, que pense Brasília por inteira e não apenas a área tombada. Que faça do patrimônio da humanidade uma ferramenta de humanização a partir da integração. Que realize a cidade prometida.

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