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Artigo: O arcabouço fiscal em perspectiva histórica

pri-2604-opiniao Opinião -  (crédito: Caio Gomez)
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Petronio Portella Filho
postado em 26/04/2023 06:00

PETRONIO PORTELLA FILHO - Consultor concursado do Senado e doutor em economia pela Unicamp

A PEC de Transição foi aprovada em 21/12/22 e se tornou a Emenda Constitucional nº 126. Ela determina que o teto dos gastos seja substituído por regime fiscal sustentável definido por lei complementar. Em 18 de abril, o governo Lula entregou ao Congresso o Projeto de Lei Complementar nº 93/2023, que apresenta o arcabouço fiscal (AF). Ele deve pôr fim a uma era em que a política fiscal brasileira foi marcada por fanatismo e autoritarismo. Mas essa é uma história que precisa ser contada do início.

Era uma vez uma presidente chamada Dilma Rousseff, que foi derrubada por conspiração liderada por seu vice, Michel Temer. O vice, após assumir, deu giro de 180 graus na política econômica. Eleito por coligação liderada pelo Partido dos Trabalhadores, Temer destruiu direitos trabalhistas que vigoravam desde 1943 (CLT) e fez aprovar a Emenda Constitucional nº 95, que botou na Constituição uma aberração chamada Teto de Gastos.

O teto determinava que as despesas primárias (DP) fossem reajustadas só pelo IPCA, um indexador ainda por cima inadequado. Nos 20 anos anteriores à aprovação do teto, a variação acumulada do IPCA foi de 261%, a do deflator implícito do PIB, 390%, e a do PIB nominal, 749%. Se o teto fosse aplicado nos 20 anos anteriores a 2016, as DPs teriam encolhido de 19,9% do PIB para 8,5% do PIB. O teto era na verdade um esmagador de gastos.

O arcabouço fiscal (AF) veio substituir a aberração. Sua maior virtude é ser democrático. O teto estava previsto para durar 20 anos e só podia ser alterado por emenda constitucional. O arcabouço fiscal, pelo contrário, permite ao presidente eleito definir, por lei ordinária, os parâmetros fiscais do seu governo.

O arcabouço fiscal de Lula é centrista, nem desenvolvimentista nem austericida. Ele parte de um deficit primário de 0,5% do PIB em 2023 para chegar a um superavit de 1% do PIB em 2026. O histórico de Lula me leva a confiar nas projeções. Durante seus oito anos de mandato, ele manteve superavit primário médio de 2,2% do PIB. Lula não pode perseguir hoje o superavit de 2% porque precisa gastar para reconstruir as redes de proteção social e a máquina pública que Bolsonaro tentou destruir.

O ajustamento previsto no AF vai exigir que a despesa primária cresça até 70% do crescimento da receita primária, com piso de 0,6% e teto de 2,5%. As viúvas do teto não gostaram da regra. Elas preferem cortes radicais de gastos. Alegam que o arcabouço fiscal exige aumento da carga tributária. Na verdade, o AF de Lula exige apenas a retomada do crescimento. Sempre que o PIB aumenta, a receita cresce proporcionalmente. O Brasil cresceu bem durante o governo Lula: em média, 4,1% ao ano. Mas cresceu apenas 0,8% ao ano desde o impeachment.

Para que o PIB volte a crescer, o governo precisa investir. O AF cria um piso de R$ 75 bilhões para os investimentos públicos, que pode receber bônus de R$ 25 bilhões. Como o PIB é de R$ 10 trilhões, tais investimentos vão representar entre 0,75% e 1% do PIB. É muito pouco.

A retomada do crescimento teria que ser comandada por investimentos privados. Dificilmente isso vai ocorrer se o Banco Central (BC) mantiver a Selic real em 8,5%. A saída estaria na oferta de crédito subsidiado por bancos federais. Tal saída foi dificultada pelo AF. Ele incluiu no limite (apertado) das despesas primárias os repasses aos bancos oficiais.

O teto de Temer, em seu escandaloso radicalismo, excluía tais repasses do limite de gastos. O que motivou Haddad a ser mais realista que o rei? Não teria sido a crítica pública do presidente do BC aos empréstimos subsidiados? É preocupante a submissão de Haddad a Campos Neto.

A lei da autonomia do BC condiciona a manipulação dos juros ao cumprimento de metas de inflação ditadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Lula tem maioria no CMN, que é presidido por Haddad. As atuais metas de inflação (3,25% em 2023 e 3% em 2024 e 2025), extremamente irrealistas, foram fixadas por Paulo Guedes. Se elas fossem aumentadas, o BC não teria pretexto para manter a Selic em 13,75%.

Haddad não aumentou as metas de inflação porque Campos Neto desaprovou. A palavra final sobre as metas passou a ser do Banco Central. A lei tornou o BC autônomo, Fernando Haddad o tornou independente. A covardia do ministro pode fazer prevalecer a mentalidade austericida do BC, inviabilizando a retomada do crescimento, condição sine qua non para a viabilidade do arcabouço fiscal.

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