A iniciativa do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de criar um exame nacional como pré-requisito para a inscrição em concursos para a magistratura constitui, sem dúvida, um tópico relevante que suscita discussões sobre a natureza e os objetivos do processo de seleção de juízes/as. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que essa medida pode ser vista como uma oportunidade significativa para elevar os critérios de seleção dos(as) magistrados(as), potencialmente aumentando a qualidade do corpo de julgadores. Tradicionalmente, a seleção de juízes(as) se baseou fortemente na avaliação de conhecimentos jurídicos, o que favoreceu àqueles integrantes de camadas sociais privilegiadas, os quais puderam pagar cursos preparatórios caros e estudar sem a concorrência de um trabalho estafante e em outra área.
Ao introduzir um exame nacional, o CNJ pode buscar um equilíbrio entre o conhecimento jurídico e outros elementos que são igualmente cruciais para a função judicial, como ética, sensibilidade social, percepção do racismo estrutural e compreensão das realidades sociais e econômicas, todos baseados na aplicação de princípios constitucionais. Temas pouco ou nada lembrados nos concursos tradicionais, como tratados de convenções internacionais em temas de Direitos Humanos, Direito Antidiscriminatório, medidas de combate ao racismo, à misoginia, à LGBTfobia e ao capacitismo devem ocupar um lugar central num exame dessa natureza.
Dessa forma, ao elevar o patamar na seleção de magistrados, o CNJ pode contribuir para uma magistratura mais diversificada, responsável e inclusiva, que reflita de maneira mais precisa a sociedade que serve. Isso, por sua vez, pode fortalecer a legitimidade do Judiciário aos olhos do público e promover uma maior confiança nas instituições judiciais.
Entretanto, é fundamental destacar que a eficácia dessa medida dependerá da forma como o exame nacional será concebido e implementado. É importante garantir que o exame avalie, de maneira equilibrada, tanto o conhecimento jurídico quanto esses outros aspectos relevantes para a função judicial. É plenamente recomendável que um exame dessa natureza também contenha indagações sobre temas não diretamente jurídicos, mas de transiente importância social. Na esteira do que dispõe a Lei Federal 10.639/2003, é muito importante que parte das questões diga respeito à história e à cultura afro-brasileira e africana.
De todo modo, a concentração de um exame nacional como parte do processo de seleção de magistrados pode ser uma oportunidade para aprimorar a diversidade e a qualidade da magistratura, inclusive, criando estratégias para se combater a elevada percentagem de fraudes nas vagas destinadas ao povo afro. Essa etapa pode se constituir no momento adequado para a certificação das características raciais dos(das) candidatos(as), segundo um critério único e rigoroso, fundado nos aspectos fenotípicos, sob os cuidados do CNJ.
Temos grande expectativa de que este exame nacional seja cuidadosamente planejado e executado, levando em consideração uma abordagem mais profunda para a avaliação dos candidatos, que vai além da mera memorização de normas legais e dos precedentes dos nossos tribunais. Um certame dessa natureza pode operar como um antídoto para os privilégios, além de assegurar uma composição mais plural e democrática para o Judiciário, fundada nos valores de inclusão e solidariedade tão bem definidos em nossa Lei Maior.
Frei David Santos - OFM, diretor executivo da Educafro BrasilMárlon ReisAdvogado, diretor jurídico da Educafro Brasil
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