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História de Brasília

Atividades centralizadas no Plano Piloto são necessárias?

Essa configuração territorial e geográfica nos remete aos estudos de Luís Cruls, que se encarregou com uma equipe multidisciplinar de estabelecer a posição do quadrilátero onde seria construída a capital

PRI-0512-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-0512-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 05/12/2023 06:03

Se analisarmos o Plano Piloto de Brasília como núcleo central do DF urbano, veremos que, de fato, o jocosamente denominado "triângulo das Bermudas", que se traduz nos edifícios do Congresso Nacional (CN), do Supremo Tribunal de Federal (STF) e do Palácio do Planalto, se toma a mais alta decisão para administrar o Brasil.

Elogiem-se os urbanistas e arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer por traçar esse espaço e sua arquitetura avançada para o final dos anos de 1950, admirados constantemente pelos arquitetos e urbanistas do mundo inteiro, por sua qualidade e beleza do traço que os criaram, adequada e apropriadamente. Nesse aspecto, Brasília foi consolidada tal como fora projetada — alguns entendem que ela foi planejada (resta saber o que se entende por esse planejamento da capital). Alguns entendem que houve ajustamentos com o correr do tempo. Deve-se analisar se foram necessários.

Cidades possuem um centro aglutinador com capacidade de atender qualquer demanda de empresas e de pessoas interessadas em bens e serviços nele oferecidos. É como um formigueiro para onde as "formigas" convergem em seu labutar diário. É nesse centro que são encontrados todos os serviços necessários à vida humana e aos interesses de empresários. Nos dias correntes, há necessidade de se reduzir o acúmulo de ofertas em um ponto das cidades porque "o tempo é ouro", afirmam comerciantes e donos de empresas. Avaliam que todos obedecem a regra básica de cortar custos e maximizar os ganhos. Por isso, as atividades econômicas seguem a máxima com empenho cada vez maior, pois, em muitos casos, é preciso estar melhor posicionado do que a concorrência, centralizadamente.

Também é importante lembrar os profissionais do urbano que foram convidados pelo "estadista da transferência" da capital federal para o então considerado "ermo do Centro-Oeste nacional", o estadista Juscelino Kubitscheck de Oliveira (JK). Por isso, pensa-se que JK fez o certo, pois a capital foi projetada, e sua implantação teve alguns efeitos notados em Goiás, como a dinamização agrária e urbana, e em Mato Grosso, onde as atividades econômicas — inclusive as rurais — tiveram um desenvolvimento considerável a partir da atração de agricultores do Sul. Esses buscavam terras novas para a criação de gado e o cultivo de gêneros alimentícios. Disso resultou um efeito em cascata pela migração de produtores e considerável contingente de trabalhadores rurais com vilas e cidades ganhando dinamismo como, possivelmente, não teria acontecido sem a expansão demográfica provocada pelas obras levadas a efeito em Brasília. Por certo, um efeito muito positivo para o Brasil-Central e para o país.

Brasília foi devidamente implantada e consolidada após grandes questionamentos dos que preferiram ficar no litoral, na segunda capital do Brasil. Essa preferência era dominante sobretudo entre os componentes do Congresso Nacional, que tinham vontade de permanecer no Rio por terem interesses (entre outras coisas, imóveis e empresas) na cidade litorânea. Acontece que, além de se lembrar que Brasília é tida igualmente como a concretização de um sonho de Dom Bosco, prelado italiano, prevendo que, entre a Colômbia e o sul da Argentina, nos paralelos 15 e 20, haveria de surgir uma região onde "correria leite e mel", segundo é reportado na tradição e na mídia. Na verdade, Brasília foi construída entre os paralelos 15 e 16 de latitude sul, justamente nas cabeceiras de rios que deságuam nas três maiores bacias hidrográficas do país — o Rio Maranhão, afluente do Tocantins, o Rio Preto, afluente do São Francisco, e os rios Descoberto e Bartolomeu, afluentes do Rio Paraná.

Essa configuração territorial e geográfica nos remete aos estudos de Luís Cruls que, no Império e, depois, na República, se encarregou com uma equipe multidisciplinar de estabelecer a posição do quadrilátero onde seria construída a capital e, que, posteriormente, foi denominado Quadrilátero Cruls, com 14.400 quilômetros quadrados. Nesse quadrilátero, foram demarcados cinco possíveis locais para a construção de Brasília, todos simbolizados por uma cor visando despistar o interesse desmedido da especulação imobiliária. Ao final, o escolhido foi o sítio castanho, sempre respeitando as indicações dos profissionais da Missão Cruls. Nesse sítio, Brasília se encontra atualmente e é onde são encontrados, centralizadamente, os serviços e a administração federal e do DF. É, segundo um sobrevoo de Lucio Costa, uma área densamente arborizada, como, de fato, a cidade se mantém até os dias de hoje, para o contentamento dos ambientalistas. Deve-se ressaltar que igual arborização não se encontra em todas as RAs (ou cidades-satélites) da cidade. Isso é algo a corrigir tanto quanto se deverá descentralizar tudo o que não for necessário ser localizado no Plano Piloto e puder ser localizado nas RAs. Algo a considerar com certa urgência.

* Aldo Paviani é geógrafo e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

 


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