Catherine Moura*
Na busca pela promoção da saúde de forma justa e equitativa, devemos ter em mente que cada paciente é único. Portanto, é papel do médico especialista que o acompanha, demais profissionais da equipe de saúde, cuidadores e da sociedade em geral, nos momentos adequados e oportunos, enxergar as jornadas individuais e apoiá-los a preencher as lacunas que se apresentam na busca pela remissão da doença. Para os pacientes com câncer de sangue, por exemplo, o acesso a opções terapêuticas para cada etapa da jornada é essencial para que tenham uma melhor evolução clínica e qualidade de vida.
Essa dinâmica nem sempre é simples. Uma parte dos potenciais pacientes sequer sabe que um câncer no sangue também é câncer. As dúvidas, mais comuns nesses casos, dificultam o rápido diagnóstico, pois os sintomas são por vezes inespecíficos e confundidos com o de outras doenças ou não aparecem. Uma vez diagnosticados, geralmente, o tratamento e acompanhamento são contínuos, de forma que novos obstáculos surgem e, dessa vez, por razões que fogem da percepção do paciente ou da decisão médica. Como é o caso das barreiras que existem hoje no Sistema Único de Saúde para o tratamento de leucemia linfocítica crônica (LLC).
Atualmente, os pacientes de LLC que utilizam o SUS e que apresentam uma recidiva da doença (quando ela volta) ou que não respondem ao tratamento da maneira esperada (refratários) não têm alternativa terapêutica disponível. Esse é um tipo adquirido e não hereditário de câncer no sangue, causado por um erro genético que interfere na produção de linfócitos, especialmente em pessoas acima dos 50 anos. A iniquidade de acesso a tratamentos leva os pacientes com LLC no âmbito do SUS a apresentarem quase três vezes mais chances de óbito em sete anos do que os pacientes do setor privado.
Na Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), caminhamos juntos a outros atores do setor para disseminar informações confiáveis que são fundamentais para o letramento em saúde de pacientes, familiares, cuidadores e a comunidade, a fim de apoiar quem precisa passar pela jornada de tratamento. Inclusive, recentemente lançamos uma campanha de conscientização sobre leucemias chamada "Câncer do sangue" também é câncer, e, como parte dos esforços de engajar também as autoridades públicas, realizamos, em Brasília, o Seminário Fevereiro Laranja. Foi um encontro fundamental para discutir os desafios enfrentados pelos pacientes com leucemia no Brasil e o aperfeiçoamento de políticas públicas.
Acredito que essa é uma responsabilidade compartilhada por toda a sociedade, sejam pessoas físicas e pessoas jurídicas, sejam instituições e agentes públicos. Como mencionado na abertura deste artigo, é nossa responsabilidade entender as demandas não atendidas e as preferências dos pacientes, sobretudo para sermos mais efetivos no acolhimento e nos cuidados de saúde prestados. A centralidade do cuidado e das decisões tomadas em benefício dos pacientes precisam considerar suas perspectivas, se "sobre eles" precisa ser "com eles". Esses são os que convivem ou sofrem com determinada condição e mais conhecem sobre tais impactos na sua vida. Igualmente determinante é a opinião e expertise técnica dos especialistas, hematologistas, que acumulam muito conhecimento científico e prático sobre os melhores desfechos em saúde no cuidado desses pacientes.
A boa notícia é que os espaços para endereçar essas opiniões e posicionamentos existem em diferentes momentos da avaliação de um novo tratamento no âmbito do sistema público de saúde. De um lado, a comunidade engajada com a LLC e todos os cânceres hematológicos pode, e deve, buscar informações de qualidade — como o site da campanha e nossos canais de comunicação, por exemplo; e ficarem atentos às oportunidades de participação social. De outro, os tomadores de decisão sobre as políticas públicas devem incrementar cada vez mais a valorização das evidências de vida real, sobretudo das vivências do paciente para os aprimoramentos necessários da atenção oncológica no país. Compreender melhor a relevância de elementos vitais, como a chance de uma vida mais longa e com mais qualidade, dignidade e menos sofrimento é uma questão de respeito aos direitos humanos e de solidariedade social. É assim que vemos o caminho para fechar lacunas que tanto trazem iniquidades, ineficiências e impacto no cenário das leucemias no Brasil.
*Médica sanitarista e CEO da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale)
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