Análise

Artigo: A importância do Censo Escolar para a educação integral

Só o acompanhamento da implantação das políticas permite ajustes necessários, na medida em que a política se desdobra na vida real, em cada Secretaria de Educação, em cada território

 Volta às aulas na rede pública de ensino. Inauguração do Centro de Ensino Infantil 11 em Taguatinga Sul. -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Volta às aulas na rede pública de ensino. Inauguração do Centro de Ensino Infantil 11 em Taguatinga Sul. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Os dados do Censo Escolar 2023 — e o fato de contarmos com suas séries históricas — suscitam análises que qualificam o debate sobre a educação básica no Brasil e mostram fatores importantes para a proposição e o acompanhamento de políticas públicas. São informações valiosas quando olhamos especificamente para a expansão e a qualidade da educação integral em tempo integral, presentes no Plano Nacional de Educação (PNE) vigente e uma das pautas prioritárias do governo federal.

Um exemplo é como insumo para acompanharmos o ritmo e o alcance da expansão. Em julho do ano passado, o Ministério da Educação (MEC) iniciou o programa Escola em Tempo Integral com o objetivo de estimular a permanência e a aprendizagem de crianças e jovens por período igual ou superior a 35 horas semanais — uma média de sete horas por dia — nas redes estaduais e municipais. O Censo nos mostra que temos 21% dos estudantes da educação básica matriculados em tempo integral, um número bem próximo ao da meta do PNE, de 25% dos alunos até o fim de 2024. Por outro lado, nem toda etapa de ensino chegou a esse patamar. No fundamental, são 14,9% dos estudantes. Na pré-escola, o percentual fica em 14,2%. Será essencial acompanharmos essa evolução, assim como em que medida ela é ofertada prioritariamente para aqueles que mais precisam.

Outro exemplo é o mapeamento de uma tendência preocupante: que a educação integral em tempo integral com qualidade pode ajudar a reverter a taxa de migração dos estudantes do ensino regular para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). O perfil etário dos alunos na EJA está mudando conforme se avança na trajetória. Do 1º ao 5º ano, a idade mediana é 48 anos; entre o 6º e o 9º ano, 26 anos; e no ensino médio, 23. Logo, temos mais jovens que adultos nessa etapa, sendo, em sua maioria, alunos com histórico de repetência e abandono na escola regular.

A transformação da escola em um local interessante para os adolescentes é um desafio que requer formação e apoio técnico aos gestores e professores. Mas não apenas, já que ainda exige que todas as instâncias unam forças para propor uma escola mais sintonizada com as adolescências e voltada ao desenvolvimento das suas diferentes dimensões cognitivas, emocionais, sociais, físicas e éticas. Pouco ou nada adianta ofertar mais tempo do mesmo, se as aulas forem desinteressantes e sem espaço para engajar os estudantes. Mais recentemente, a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e o MEC uniram forças para o desenho de uma política nacional em prol dos anos finais, voltada a uma Escola das Adolescências, que pode contribuir diretamente nesse sentido.

O Censo Escolar apresenta ainda outro importante dado que se articula com a educação em tempo integral: a forma como diretores das escolas públicas são escolhidos. A seleção de gestores escolares precisa incluir critérios técnicos. Afinal, é um papel estratégico liderar a implementação dessa proposta na escola, garantindo que os recursos sejam alocados de forma eficiente; os professores colaborem entre si e sejam apoiados adequadamente; o currículo, de fato, amplie as oportunidades de aprendizagem; e as necessidades específicas dos alunos sejam atendidas de maneira eficaz. Embora com crescimento de 5,7% em relação ao ano de 2022, nas redes municipais 45,8% dos gestores ainda são escolhidos exclusivamente por indicação ou nomeação da administração.

Felizmente, iniciativas como a complementação Valor Aluno Ano Resultado (VAAR), criada pela Lei do Novo Fundeb, em 2020, oferecem uma oportunidade promissora de promover uma seleção mais acertada, que virá a contribuir para os desafios de gerir uma escola de educação integral em tempo integral. A lei prevê escolhas baseadas em parâmetros técnicos de mérito e desempenho ou contando com a participação da comunidade escolar. Em 2023, o VAAR distribuiu R$ 1,6 bilhão e, em 2024, a expectativa é de que chegue a R$ 3,3 bilhões.

Essas são reflexões que reforçam a importância dos dados no debate educacional e, mais especificamente, a relevância do Censo Escolar. No Seminário Interministerial sobre Educação em Tempo Integral, realizado em 9 de abril pelo MEC, as diversas experiências brasileiras e de países da América Latina trouxeram os múltiplos desafios de implementação, como a equidade na alocação das matrículas de tempo integral; o currículo e as mudanças nas práticas e culturas escolares; as condições de seleção, trabalho e formação docente, assim como de investimentos na infraestrutura, transporte e alimentação escolares — além do próprio monitoramento dessas políticas e programas.

Só o acompanhamento da implantação das políticas permite ajustes necessários, na medida em que a política se desdobra na vida real, em cada Secretaria de Educação, em cada território. Nesse sentido, os dados do Censo Escolar seguirão sendo um conjunto importante de evidências para o monitoramento e aprimoramento contínuo do avanço da educação integral com qualidade para cada e toda criança, adolescente e jovem no Brasil.

*Patrícia Mota Guedes é superintendente do Itaú Social, mestre em políticas públicas pela Universidade de Princeton e em administração pública pela Universidade de Massachusetts Amherst.

 

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postado em 06/05/2024 05:00
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