
Gustavo Fernandes — Diretor geral da Oncologia na Dasa
Na data de hoje, destinada a refletir sobre a doença a que me dedico a combater, encontro motivos para celebrar e, sempre, levantar muitos pontos nos quais podemos avançar. O futuro é bom, e o presente comprova essa percepção, quando comparado ao passado.
Vamos às boas notícias: no Brasil, projeções do Instituto Nacional de Câncer (Inca) sugerem uma redução na mortalidade prematura por câncer até 2030. Para 2026 a 2030, estima-se uma diminuição de 12% na taxa de mortalidade padronizada por idade entre homens, assim como uma redução de 4,6% entre as mulheres.
Já dados do National Cancer Institute revelam uma redução de 33% nas taxas de mortalidade por câncer nos Estados Unidos desde 1991, resultado de melhorias nos diagnósticos, nos tratamentos e nas iniciativas de prevenção. Isso se traduz em mais de 3,8 milhões de vidas salvas, destacando o impacto positivo da ciência e da conscientização coletiva.
Os dados, porém, não podem minorar nossa jornada de luta contra a doença. Há, ainda, desafios consideráveis. E, aqui, quero destacar um que voa abaixo do radar: o grande impacto do consumo de bebidas alcoólicas na incidência e mortalidade. Estudos demonstram claramente que o álcool é o terceiro maior fator de risco evitável para o câncer, contribuindo para cerca de 100 mil novos casos e 20 mil mortes por ano somente nos Estados Unidos. Isso é brutal.
Mas…. de que tipo de álcool estamos falando? Segundo o Instituto Nacional de Câncer, qualquer tipo de bebida alcoólica — seja cerveja, vinho, destilados (como cachaça, vodca e uísque) ou outros drinks contendo álcool — aumenta o risco de tumores. Estudos recentes apontam que, mesmo em graus moderados — uma taça de vinho ou um copo de cerveja por dia —, o álcool eleva esse risco, especialmente em mulheres, para quem há um incremento de até 10% nas neoplasias de mama com apenas uma dose diária.
Esse tipo de consumo está diretamente associado ao aumento do risco de pelo menos sete tipos de câncer, incluindo os de mama, fígado e cavidade oral. E por que isso acontece? A associação entre álcool e câncer ocorre devido a múltiplos mecanismos biológicos. Vou descrever brevemente um bem simples de entender: o álcool, presente nesse tipo de bebida, é convertido em acetaldeído no corpo, um composto químico que pode danificar o DNA e favorecer o surgimento de tumores. Além disso, ele induz o estresse oxidativo no organismo, resultando em danos irreversíveis no DNA celular, o que interfere nos níveis hormonais, um fator particularmente relevante nos tumores de mama.
Diante desses fatos, não podemos mais santificar o consumo de bebida, como fizemos, especialmente com o vinho e notadamente com a tradicional cervejinha após o trabalho. É urgente reforçar a conscientização sobre o impacto negativo do álcool na saúde. Um estudo realizado em 2019 mostrou que menos da metade dos norte-americanos (45%) reconhecia o álcool como um fator de risco para o câncer. Esse desconhecimento compromete a adoção de hábitos preventivos e aumenta os custos emocionais e sociais relacionados à doença.
Enquanto lutamos por progressos no tratamento do câncer, também devemos priorizar a educação pública e a adoção de estilos de vida mais equilibrados. Reduzir o consumo de álcool é uma escolha poderosa para prevenir a doença e promover uma vida longa e saudável. É aceitável e justo que as pessoas optem por ingerir bebidas alcoólicas: o que não podemos é aceitar que não compreendam as consequências.
Por isso, é fundamental investirmos em campanhas educativas para conscientizar a população sobre essas questões. Iniciativas como a implementação de alertas nos rótulos das bebidas alcoólicas, semelhantes às campanhas antitabagismo, podem ser um caminho eficaz. Além disso, programas de incentivo ao consumo consciente e à moderação são estratégias importantes para minimizar os impactos negativos.
Como sociedade, temos a responsabilidade de estimular escolhas mais saudáveis e garantir que todos tenham acesso a informações claras sobre os riscos. Repensar nossos hábitos diários é um passo essencial para um futuro mais saudável. Nessa direção, deixo aqui uma citação centenária e atual do filósofo inglês G. K. Chesterton: "A forma genuinamente perigosa e imoral de tomar vinho é tomá-lo como remédio".