
Quando o assunto é meio ambiente e mudanças climáticas, o Brasil é um ótimo passador de pito global. Ainda mais agora, que será anfitrião da 30ª Conferência do Clima (COP30), em novembro, o país está mais afiado do que nunca quando aponta o dedo verde aos grandes produtores mundiais de combustíveis fósseis.
Como a ciência já explicou algumas milhares de vezes, diversos fatores contribuem para o aumento anormal da temperatura do planeta. A queima de combustível fóssil — gás natural, carvão e petróleo — é o principal deles.
Depois do vexame de um governo negacionista, o atual reconheceu as evidências científicas sobre mudanças climáticas e prometeu se pautar em provas inequívocas para planejar o desenvolvimento econômico do país. Em 2023, na última COP em que esteve pessoalmente, o presidente Lula foi cirúrgico: "O mundo já está convencido do potencial das energias renováveis. É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis".
Agora, em plena onda de calor que levou uma sensação térmica de 62,3ºC ao Rio de Janeiro, o presidente parece ter se esquecido do próprio discurso. Ontem, posou, sorridente, ao anunciar a adesão brasileira à Carta de Cooperação entre Países Produtores de Petróleo (CoC), um fórum de discussão ligado à Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep).
Constrangendo a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, Lula acusa o Ibama (autarquia vinculada a Marina) de fazer "lenga-lenga" na avaliação de licenciamento de petróleo na Amazônia. Disse "ter certeza" de que a ministra, uma ambientalista internacionalmente reconhecida por sua luta pela conservação da Floresta Amazônica, "jamais será contra" a exploração de combustível fóssil no Rio Amazonas.
O mesmo Lula que, na reunião do G20, disse que a "Amazônia continuará ameaçada se o resto do mundo não cumprir a missão de conter o aquecimento global", quer investir mais de US$ 3 bilhões em poços que prometem reservas de 10 bilhões de barris de petróleo. Mesmo que a exploração da margem equatorial não fosse diametralmente oposta à postura oficial do Brasil sobre mudanças climáticas, ainda resta dúvida se é economicamente viável.
Há pouco tempo, entrevistei Carlos Eduardo Young, titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde coordena o Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. O professor lembrou que o alto custo de investimento resultará em um petróleo mais caro, e isso, provavelmente, não antes de 2035, quando, segundo o Acordo de Paris, os cortes nas emissões de CO2 terão de ser mais drásticos, especialmente considerando que os Estados Unidos não farão mais parte do tratado. "O risco de uma crise financeira causada pela depreciação do petróleo será grande", acredita.
Enquanto a União Europeia prepara-se para, em breve, substituir toda a frota de veículos por carros elétricos e a China trabalha para reduzir em um terço as emissões até 2035, o Brasil anda para trás. Agora só falta o presidente Lula, que já aderiu à moda do boné de Donald Trump, mandar gravar no acessório a frase de campanha do colega norte-americano — "Drill, baby, drill". Perfure poços, baby, perfure.