
Rosilene da Costa — Doutora em literatura, professora e liderança do Movimento Autônomo de Mães (Mama)
No fim de janeiro, o presidente Lula reuniu seus 39 ministros e ministras. A foto oficial do momento circulou na mídia, apresentando a mudança significativa da composição do alto escalão do governo. O grupo ministerial é composto por um número histórico de mulheres, e especialmente de mulheres negras. Isso não é fruto do acaso, mas, sim, da mobilização contínua de movimentos negros e feministas, que reivindicam representatividade e participação nos espaços de poder.
Ter cinco ministras de Estado negras no governo não apenas rompe barreiras, como reafirma a necessidade de também assumirmos outras pastas, pois ainda não há equilíbrio nos espaços de poder. Continuamos sub-representadas em áreas como economia, governança, inovação e planejamento — fundamentais para as transformações estruturais do país.
Vivenciei a transformação da universidade com as cotas raciais e vi que as políticas afirmativas foram decisivas para ampliar a entrada de negros e negras no ensino superior e em diversas áreas profissionais. Em 2001, quando ingressei na universidade, a presença de estudantes negros era reduzida e limitada a poucos cursos. O cenário mudou expressivamente após a Lei de Cotas (2012). Já no doutorado, testemunhei a ampliação da diversidade racial nos campi.
O Censo da Educação Superior mostra que, desde 2012, triplicou o número de estudantes negros/as nas universidades, refletindo o sucesso das políticas afirmativas. Esse aumento diversificou salas de aula e impactou a produção acadêmica, promovendo perspectivas e debates plurais, fortalecendo a consciência política sobre raça e gênero. Além disso, a presença de mulheres negras na pós-graduação cresceu, desafiando a exclusão desse grupo da elite intelectual e científica do país.
Contudo, o ingresso na universidade não é suficiente para garantir a ocupação de espaços estratégicos no mercado de trabalho e na política. A transição para cargos de liderança ainda é marcada por racismo, desigualdade e falta de rede de apoio. Mesmo no serviço público, em que a reserva de vagas para negros foi ampliada em concursos federais, a ascensão a cargos de gestão e formulação de políticas ainda é um desafio. Segundo o Ipea, menos de 5% dos cargos de direção em órgãos federais são ocupados por mulheres negras. É importante ocupar cargos ministeriais em pastas que dialogam diretamente com movimentos sociais, que fazem a gestão de pautas que nos afetam diariamente, mas isso não basta. O poder econômico é central para a mudança estrutural, e a ausência de mulheres negras em setores estratégicos, como economia e planejamento, limita a construção de políticas mais inclusivas.
Para que mulheres negras tenham um papel efetivo na formulação das políticas de equidade, é fundamental que elas ocupem cargos de liderança em bancos públicos, ministérios estratégicos e agências reguladoras. Além disso, é necessário que a agenda político-econômica fortaleça o empreendedorismo negro e os programas de incentivo à participação de mulheres negras em setores historicamente dominados por homens brancos, como tecnologia, economia e inovação.
As mulheres negras compõem a base da pirâmide social e são a sustentação da nossa economia, tanto no mercado formal quanto no trabalho invisibilizado do cuidado. No entanto, sua presença nos espaços de formulação de políticas econômicas ainda é mínima. Um Brasil mais justo só será possível quando as decisões que afetam toda a população forem tomadas por um corpo político que represente sua diversidade. Assim, a foto da reunião do presidente e sua equipe é, sem dúvida, um retrato do avanço conquistado. Mas ainda não garante mudanças estruturais. Precisamos de ações que assegurem que essas ministras e outras mulheres tenham real influência em decisões estratégicas.
O Dia Internacional da Mulher de 2025 tem o lema: "Para todas as mulheres e meninas: Direitos. Igualdade. Empoderamento." Para que isso se concretize, é preciso incluir propositalmente as mulheres negras nos debates sobre economia, finanças, planejamento e governança. É preciso garantir acesso à educação, investir na formação de lideranças negras e estruturar políticas antirracistas nos espaços de decisão. A luta não é apenas por mais mulheres negras na política, mas, sim, pelo reconhecimento de nosso protagonismo e pela nossa liderança no desenho e na implementação de políticas públicas de impacto. O futuro do Brasil depende dessa mudança, e ela precisa acontecer agora.
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