
JOSÉ ROBERTO ARRUDA, ex-governador do DF
O professor Cristovam Buarque semeia educação. Candidato à Academia Brasileira de Letras, Cristovam fez de sua vida uma missão: salvar o Brasil pela educação. Todos sabemos que o ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), governador de Brasília, senador da República e ministro da Educação tem uma obra literária vasta e profunda. Publicou algumas dezenas de livros e trabalhos, todos com um pensamento crítico sobre a formação da sociedade brasileira. A grande maioria voltada para a sua obsessão: a educação. Na vida pública,acrescentou muito ao pensamento político do Brasil.
Nessa trajetória, o ponto mais alto da sua contribuição foi a criação do Bolsa Escola. Essa experiência, incipiente em Campinas e em Belo Horizonte, ganhou, com a ousadia de Cristovam, em Brasília, a visibilidade nacional. E seu projeto foi o berço dos programas que se sucederam de renda mínima, inclusive do próprio Bolsa Família.
Numa análise rápida, mas verdadeira, o projeto de Cristovam era, de longe, muito melhor do que os que o sucederam. Por uma razão muito simples, enquanto os "bolsas famílias" aprisionam as pessoas de baixa renda de uma forma política e econômica, gerando votos e as impedindo de buscar saída no mercado de trabalho, o Bolsa Escola do Cristovam tinha porta de saída. Ao mesmo tempo que buscava a erradicação da miséria e a complementação de renda, era um programa visionário, pois tinha uma alavanca obrigatória para a educação das crianças e dos jovens das famílias atendidas. Sem acomodação das pessoas assistidas, o programa antevia um futuro sustentável e dava dignidade aos acolhidos.
Vale lembrar: a Bolsa Escola deu muitas oportunidades a Cristovam Buarque. Levou-o ao Senado e ao Ministério da Educação. Mas, paradoxalmente, foi essa ideia e esse programa, também, que provocou a sua saída do Ministério da Educação, impossibilitando-o de aspirar, com chances, à Presidência da República. Quando o seu nome ganhou força nacional, os donos do poder trataram de mudar o nome do programa, pois que o Bolsa Escola tinha a cara de Cristovam Buarque. Urgia tirá-lo do ministério, antes que ele ameaçasse de verdade o projeto hegemônico de poder da esquerda mais retrógrada, aparelhada e populista.
O fato é que, hoje, essa ideia, que nasceu da inquietação intelectual do Cristovam, rompeu todas as barreiras ideológicas. Foi assimilada pelos polos mais diferentes da política brasileira. Um verdadeiro consenso pela força do que representa para o Brasil.
Acompanho Cristovam Buarque desde meados dos anos 1980, no período de redemocratização, quando trabalhamos juntos nos planos de governo do presidente Tancredo Neves, na sede da FGV, em Brasília. Acompanhei-o no Ministério da Justiça, onde ele foi chefe de gabinete do ministro Fernando Lira, e eu seu subchefe. Estivemos perto quando foi reitor da UnB e, mais tarde, em caminhos diferentes,na política partidária. Mesmo, adversários, mantivemos sempre o respeito e a amizade.
Nesses 40 anos, assisti muitas vezes ao Cristovam defender uma ideia, e quando todos concordavam, ele saía com um contraponto, uma visão radicalmente oposta, pelo prazer do desafio intelectual e pelo desprendimento de ideias preconcebidas. Uma característica sua. Cristovam é um homem sábio. Na sua simplicidade, radicalmente oposta à sofisticação da sua formação intelectual, sabe se relacionar com as mentes mais brilhantes, sem perder a humildade e o bom humor.
Merecidamente, hoje, seu nome é lembrado para a Academia Brasileira de Letras. Essa minha manifestação não vai somar nem um voto a seu favor. Até espero que, pelo menos, não tire nenhum. Apenas cumpro um dever de consciência de alertar as pessoas que pensam, que um intelectual, um professor, um escritor, que é de Brasília, pode representar muito bem seu estado natal, Pernambuco, e a capital do país.
Conheço a obra do Cristovam Buarque. Leio tudo que ele escreve. Reconheço a sua influência na minha formação humanística. Acho que as entidades organizadas de Brasília devem se manifestar, de público, o orgulho de ter o nome de Cristovam lembrado para a mais alta casa da inteligência brasileira. Vou além: no caso de ele ser eleito, a sociedade do Distrito Federal deveria oferecer ao ex-governador o fardão, uma forma de dizer que a escolha do Cristovam Buarque é um tributo à universidade aberta e, também, uma homenagem aos "Mestres com carinho", criadores da UnB, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira.