Artigo

O valor dos dados na nova corrida pelo futuro

É preciso construir uma estratégia nacional que reconheça o valor dos dados como um recurso essencial. Sem isso, corremos o risco de continuar exportando dados brutos — ou sequer usá-los — enquanto outros transformam essa matéria-prima em valor, influência e lideranç

"Sensores, satélites, computadores e redes passaram a registrar praticamente tudo: da umidade do ar e do comportamento das abelhas aos fluxos de tráfego urbano à evolução das lavouras em tempo real" - (crédito: Imagem de Kjpargeter, Freepik)

MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES, pesquisador da Embrapa Agroenergia

Vivemos cercados por dados — mesmo sem perceber. Cada vez que usamos o celular, fazemos uma compra on-line, acionamos o GPS ou acessamos redes sociais, geramos e consumimos dados. Em termos simples, dados são registros organizados de qualquer aspecto observável ou mensurável da realidade. O horário em que você costuma acordar, o trajeto que faz para o trabalho ou os produtos que procura em uma loja virtual — tudo isso são dados. Quando esses registros são analisados e interpretados com inteligência, transformam-se em conhecimento — e é aí que ganham valor.

Os dados sempre existiram — nas tábuas de barro, mapas antigos e livros de contabilidade. A grande mudança aconteceu quando a tecnologia digital nos deu uma capacidade inédita de gerar, armazenar, acessar e cruzar dados em grande escala e velocidade. Sensores, satélites, computadores e redes passaram a registrar praticamente tudo: da umidade do ar e do comportamento das abelhas aos fluxos de tráfego urbano à evolução das lavouras em tempo real.

O que antes era raro e fragmentado hoje se acumula em volumes colossais, que crescem sem parar. Mas quantidade, por si só, não gera valor. O verdadeiro poder dos dados aparece quando conseguimos organizá-los, interpretá-los e transformá-los em conhecimento útil. É isso que permite identificar padrões, antecipar cenários e tomar decisões mais inteligentes. Dados sem interpretação são como peças soltas de um quebra-cabeça: muitas, mas incapazes de formar um todo com sentido.

É aí que entram as ferramentas analíticas, os algoritmos e a inteligência artificial, capazes de conectar essas peças, revelar padrões ocultos e gerar respostas para perguntas antes impensáveis. As mídias sociais foram pioneiras em mostrar como dados bem usados se transformam em poder. Com algoritmos que analisam padrões em tempo real, conseguem prever interesses e influenciar decisões.

Ao transformar dados em influência, plataformas digitais conquistaram um espaço enorme na economia e na vida social. Deixaram de ser apenas meios de comunicação para se tornarem elementos centrais nos mercados, no consumo e até na política. O domínio da informação passou a valer tanto quanto, ou mais, que o controle de terras ou recursos financeiros. Com isso, novas formas de poder emergem, mais silenciosas, porém altamente eficazes. 

Nesse contexto, cresce também a corrida global por tecnologias capazes de explorar esse novo ativo com máximo rendimento, como algoritmos sofisticados e sistemas de inteligência artificial. Esses recursos são, sem dúvida, importantes e continuarão moldando o futuro. No entanto, países que dificilmente liderarão a produção dessas tecnologias talvez possuam algo ainda mais valioso — e ainda subestimado: a capacidade de gerar dados únicos e contextualizados sobre o meio físico, os ecossistemas e os recursos críticos para a sobrevivência e o bem-estar da humanidade.

A coleta criteriosa de dados sobre solos, clima, biodiversidade, fluxos de energia, água e carbono depende de uma combinação de conhecimento local, metodologia científica e discernimento humano — elementos que ainda são insubstituíveis na construção de bases confiáveis para qualquer sistema inteligente. Sem essa fundação sólida, mesmo os algoritmos mais avançados correm o risco de operar com informações imprecisas, enviesadas ou irrelevantes.

Em outras palavras, a IA depende, antes de tudo, da qualidade da inteligência humana que a alimenta. Valorizar a geração de dados qualificados sobre o mundo real — com base em método, ciência e ética — é condição essencial para garantir que as ferramentas digitais sirvam, de fato, a um futuro mais sustentável e equilibrado.

A pergunta crítica é: em que medida países, instituições e pessoas estão se dando conta dessa realidade e se preparando para aproveitar as vantagens competitivas que já possuem? Muitos ainda parecem fascinados apenas pelas promessas das tecnologias de ponta, sem perceber que o verdadeiro diferencial pode estar naquilo que já dominam — mas ainda não valorizam plenamente.

O Brasil, por exemplo, reúne uma das maiores concentrações de recursos naturais e conhecimento acumulado sobre ambientes tropicais. Conta com instituições científicas consolidadas, capazes de gerar dados de alta qualidade sobre solos, água, clima, cultivos, florestas, sistemas humanos e produtivos complexos.  No entanto, a articulação entre esse patrimônio de conhecimento e os sistemas emergentes de inteligência ainda é incipiente.

Aproveitar plenamente esse potencial exige mais do que reconhecer suas virtudes — exige organização, direção e visão de futuro. É preciso construir uma estratégia nacional que reconheça o valor dos dados como um recurso essencial. Sem isso, corremos o risco de continuar exportando dados brutos — ou sequer usá-los — enquanto outros transformam essa matéria-prima em valor, influência e liderança. A oportunidade está posta. Resta saber se teremos ousadia para abraçá-la.

 


postado em 13/04/2025 06:00
x