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Concentração no mercado: a fusão Petz-Cobasi e o risco à concorrência

O futuro do mercado pet no Brasil precisa ser construído com base na concorrência justa, na regulação eficiente e no compromisso com o bem-estar animal

"Atualmente, 74% das famílias brasileiras têm pelo menos um pet — o que torna esse segmento um dos mais relevantes para a economia doméstica" - (crédito: Arquivo Pessoal)

MÁRCIO WALDMAN, médico vterinário, fundador e integrante do conselho Petlove

O mercado pet brasileiro vive uma encruzilhada. Com mais de 160 milhões de animais de estimação em todo o país, o setor ganhou escala, diversidade e importância econômica. Atualmente, 74% das famílias brasileiras têm pelo menos um pet — o que torna esse segmento um dos mais relevantes para a economia doméstica. No entanto, a recente decisão da Superintendência-Geral (SG) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que aprovou a fusão entre Petz e Cobasi sem restrições reacende um alerta sério: a concentração excessiva pode afetar diretamente preços, inovação e acesso a produtos e serviços para milhões de tutores.

O alto risco de concentração de mercado foi, inclusive, um dos pontos de atenção sinalizados pela própria Superintendência-Geral do órgão, que identificou essa ameaça tanto no mercado físico quanto on-line. No meio digital, esse percentual pode chegar a preocupantes 50% e seria ainda superior se fossem desconsiderados os marketplaces, que exercem pressão competitiva limitada para as marcas. 

A apreensão não é infundada. Estudo recente do economista Gesner Oliveira, feito de acordo com metodologia comumente utilizada pelo Cade, mostra que a eventual união das duas gigantes vai gerar incentivos a aumentos de preço, o que implica riscos concorrenciais e danos aos consumidores dos mercados pet no Brasil, afetando quase três quartos da população brasileira. Esse tipo de cenário foi observado em outros setores e, frequentemente, resulta em diminuição da concorrência, elevação de preços e empobrecimento da oferta.

Em um primeiro momento, fusões dessa natureza podem até resultar em estratégias promocionais agressivas. Mas, historicamente, essa redução pontual nos valores é uma tática para sufocar pequenos e médios concorrentes que não conseguem competir no mesmo ritmo. Com o tempo, o mercado perde diversidade, e o consumidor acaba pagando mais — em um setor que, por definição, deveria priorizar o bem-estar animal e o acesso democrático aos cuidados veterinários e à nutrição adequada.

A estrutura atual do setor é desafiadora. Cerca de 50% dos cães domiciliados no Brasil não consomem ração comercial — muitas vezes, por questões de custo. Apenas 16% dos tutores utilizam vermífugos, antipulgas ou carrapaticidas regularmente. E 30% dos pets visitam o veterinário apenas uma vez ao ano, quando a frequência ideal seria bem maior. Em um país com renda per capita limitada e desigualdade de acesso a bens e serviços, o aumento nos preços tende a excluir ainda mais famílias do cuidado básico com seus animais.

Além disso, a fusão impacta profundamente os fornecedores, que ficariam à mercê de um grande comprador com poder de barganha muito superior. Isso não apenas fragiliza a cadeia produtiva — reduzindo margens e dificultando a inovação — como compromete a diversidade de produtos nas prateleiras. A saúde dos pets depende diretamente da qualidade e variedade de alimentos, medicamentos e acessórios, e a perda de concorrência pode comprometer esse ecossistema. 

O Cade, agora, com o processo em análise pelo Tribunal, tem um papel crucial. A decisão final precisa considerar o impacto real sobre a concorrência, a cadeia produtiva e, sobretudo, os consumidores. É necessário garantir um ambiente de competição saudável, inovação constante e preços justos.

É também um erro tratar o impacto da fusão apenas sob o ponto de vista econômico. O cuidado com os animais é uma questão de saúde pública, de empatia social e de bem-estar coletivo. A democratização do acesso aos serviços veterinários e produtos pet deve ser vista como um compromisso público. Um mercado concentrado demais tende a marginalizar milhões de tutores que hoje já enfrentam dificuldades para cuidar de seus animais — e isso não pode ser ignorado.

A trajetória da Petlove, assim como de outras iniciativas do setor, foi construída em um contexto em que a digitalização, o serviço personalizado e a expansão regional foram diferenciais importantes para aumentar o acesso. Mas não se trata de exaltar uma única empresa: o que está em jogo agora é a pluralidade do mercado, a saúde dos pets e a autonomia de escolha do consumidor.

O futuro do mercado pet no Brasil precisa ser construído com base na concorrência justa, na regulação eficiente e no compromisso com o bem-estar animal. O Tribunal do Cade tem diante de si uma decisão que não se limita à análise de balanços e fatias de mercado. Trata-se de proteger o direito de milhões de famílias brasileiras de oferecer o melhor aos seus companheiros de quatro patas — sem que isso se torne um privilégio de poucos.

 


postado em 16/06/2025 06:01
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