OPINIÃO

O perdão de não perdoar

"Perdão pode ser um dos maiores atos que um ser humano realiza — desde que não seja tratado como uma obrigação"

O ato de perdoar ou saber não perdoar resulta em liberdade -  (crédito:  Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
O ato de perdoar ou saber não perdoar resulta em liberdade - (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)

Perdoar nunca me foi algo fácil. Esquecer? Menos ainda. Carrego mágoas que já celebram diversas bodas — como uma inusitada forma de companhia. Por muito tempo, essa dificuldade de perdoar me levava a uma relação estreita com a culpa. Achava que o perdão era uma obrigação, um dever. Contudo, a sensação de liberdade ao perceber que isso não é verdade é maravilhosa.

Alguns jogam a culpa no horóscopo. Por ser de Escorpião, amigos apontavam que determinada dose de rancor era algo acima do meu controle. Afinal, segundo as características do signo, pode haver certa dificuldade em perdoar, devido à profundidade emocional, à necessidade de segurança e à tendência a não esquecer ofensas.

Lembro que, ainda na adolescência, me contaram sobre a prática ética e espiritual do judaísmo relacionada ao pedido de perdão. A tradição é baseada na ideia de que, para transgressões cometidas contra outras pessoas, o perdão de Deus só é concedido depois que o ofensor busca sinceramente o perdão da pessoa ofendida.

O que me chamou a atenção na história foi o fato de que, segundo a Halachá, a lei judaica, se alguém comete uma ofensa contra outra pessoa, deve pedir perdão a ela. Caso a pessoa ofendida recuse, o ofensor deve tentar novamente — com humildade e sinceridade — até três vezes. Após a terceira tentativa, se o perdão ainda não for concedido, o ofensor é considerado isento diante de Deus, e a responsabilidade recai sobre quem se recusa a perdoar.

Morria de medo do pressuposto. Quer dizer que, se eu não perdoasse, a responsabilidade da ofensa voltava para mim? Estava ferrado, então.

A maturidade, contudo, me liberta cada vez mais dessa culpa. Hoje, entendo que perdoar nem sempre deve ser uma obrigação. Pelo contrário: deve ser um dos maiores atos de altruísmo e sinceridade — nada próximo de um ônus.

Perdoar é belo e delicado. Uma atitude que eleva o espírito. Todavia, saber que o perdão não deve ser "engolido" também é um grande ato de libertação.

Às vezes, tenho a impressão de que abusam do "me desculpa" — como se fossem palavras jogadas ao vento. Errar, perceber e tentar se redimir não é algo banal. É preciso coragem, e isso deve ser encarado longe de qualquer leviandade.

Na filosofia, o perdão é visto como um conceito complexo e multifacetado, envolvendo aspectos éticos, psicológicos e sociais. As "desculpas" não são apenas um ato de bondade, mas também um processo que envolve responsabilidade. Diversos filósofos falam sobre o perdão e seu poder. Por muito tempo, pensei que não perdoar fosse o contrário do que postulavam esses pensadores — mas estava errado.

Encantam-me as ideias de Hannah Arendt sobre o ato: o perdão quase como uma ação política, que rompe com o passado e o futuro. Não perdoar, contudo, não é ser "antipolítico". Na minha perspectiva, é saber da responsabilidade envolvida em uma ação política.

O perdão pode ser um dos maiores atos que um ser humano realiza — desde que não seja tratado como uma obrigação. Entender isso e, eventualmente, não perdoar é outra grande ação, que pode poupar muito sofrimento e deve ser exercida sem culpa.

 

postado em 20/06/2025 06:02
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