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Anvisa desfalcada: saúde em risco

Há quase seis meses, a Anvisa opera com apenas dois dos cinco diretores que deveriam compor sua Diretoria Colegiada. Três cadeiras estão vagas, e isso tem implicações gravíssimas. O colegiado é o órgão decisório da agência

Anvisa aprova vacina contra chikungunya do Instituto Butantan e Valneva para aplicação no Brasil
 -  (crédito: Divulgação/Governo de São Paulo)
Anvisa aprova vacina contra chikungunya do Instituto Butantan e Valneva para aplicação no Brasil - (crédito: Divulgação/Governo de São Paulo)

NELSON MUSSOLINI, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro titular do Conselho Nacional de Saúde (CNS)

Desde sua criação, em 1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) consolidou-se como um dos pilares técnicos mais relevantes do Estado brasileiro. Sua atuação é reconhecida internacionalmente por critérios rigorosos e por seu papel central na regulação de medicamentos, vacinas, alimentos, cosméticos e uma vasta gama de produtos e serviços essenciais à saúde da população. Durante a pandemia do covid-19, a Anvisa mostrou à sociedade brasileira a sua relevância. Trata-se, portanto, de uma agência que não pode ser tratada com descaso — e, no entanto, é exatamente isso que está acontecendo.

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Há quase seis meses, a Anvisa opera com apenas dois dos cinco diretores que deveriam compor sua Diretoria Colegiada. Três cadeiras estão vagas, e isso tem implicações gravíssimas. O colegiado é o órgão decisório da agência. Sem quórum mínimo qualificado, decisões estratégicas ficam travadas, processos acumulam-se e a credibilidade da instituição se deteriora. Em qualquer empresa privada, seria impensável permitir que seu conselho deliberativo permanecesse desfalcado por tanto tempo. Por que, então, isso é tolerado quando se trata de uma agência de Estado que regula mais de um quarto da economia nacional?

 O mais grave é que não se trata de omissão apenas do Executivo. O presidente da República, mesmo que tardiamente, cumpriu seu dever: indicou os nomes para as diretorias vagas. Os indicados foram, inclusive, analisados e aprovados pela Casa Civil, depois de idas e vindas desnecessárias. Mas as mensagens com os nomes estão paradas na mesa do presidente do Senado Federal. Nem sequer foram lidas em plenário. Não houve designação de relator, tampouco encaminhamento para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS), que é a responsável por realizar as sabatinas dos indicados. O processo está, portanto, congelado por decisão política. E a Anvisa — e, com ela, toda a sociedade brasileira — paga o preço.

 Essa situação não é apenas inaceitável: é perigosa. A ausência prolongada de diretores compromete decisões técnicas fundamentais, como a aprovação de novos medicamentos, a reavaliação de normas sanitárias, a regulação de produtos inovadores e a atuação em emergências de saúde pública. O setor produtivo, especialmente na área da saúde, vive num ambiente de insegurança regulatória. E o cidadão, beneficiário final, é quem mais sofre.

Não se pode aceitar que uma instituição técnica, construída com esforço, excelência e compromisso com a saúde pública, seja refém de disputas ou inércias do jogo político. A Anvisa precisa de estabilidade, previsibilidade e autonomia funcional. Isso inclui uma Diretoria Colegiada plenamente composta, com capacidade deliberativa. A paralisação desse processo sabota o funcionamento da agência e compromete sua missão institucional.

Além disso, o desrespeito com os prazos e com a própria Anvisa atinge também os servidores da agência, que continuam a cumprir suas funções com dedicação, mas enfrentam um cenário de indefinições e gargalos decisórios. O esvaziamento da diretoria não é um problema de bastidor: é uma crise institucional que afeta o SUS, a indústria, os usuários dos produtos e a imagem do Brasil como regulador confiável perante organismos internacionais.

A recomposição da Diretoria Colegiada da Anvisa é uma medida urgente. Não se trata de favor, tampouco de gesto político: é dever constitucional. Cabe ao presidente do Senado, com a responsabilidade que o cargo exige, dar andamento às indicações presidenciais. Ler as mensagens. Nomear relatores. Encaminhar à CAS. Permitir que os indicados sejam sabatinados e votados e assumam, urgentemente, suas funções. O Brasil precisa, mais do que nunca, de instituições técnicas fortes e operantes. A Anvisa não pode continuar desfalcada. O atraso é injustificável. A omissão, inaceitável.

 

postado em 20/06/2025 06:02 / atualizado em 19/06/2025 06:04
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