ARTIGO

Mapas: para passar o bojador e ir além da heliosfera

Os antigos navegantes, com suas cartas náuticas, nos preparam para ultrapassar a heliosfera, nos aperfeiçoando na técnica de mapeamento

"Com toda a tecnologia moderna, essas cartas náuticas podem nos parecer desenhos toscos, mas, na época, foram de grande utilidade no desbravamento do desconhecido e tenebroso além-mar" - (crédito: Caio Gomez)

ALDO PAVIANI, geógrafo e professor emérito da UnB

Desde as grandes descobertas, países da Europa, do Oriente Médio, do Egito e do Extremo Oriente desenvolveram técnicas de mapeamento para oferecer os primeiros  desenhos para viagens marítimas de longa distância. Essas imagens de territórios conhecidos e desconhecidos são mais bem definidas como esboços de mapas. Os  portugueses desenvolveram e deram continuidade em seus laboratórios experimentais, digamos assim, aos portulanos, antigas cartas náuticas. Hoje, somos informados de que eram representações detalhadas, muito usadas por marinheiros durante a Idade Média e no Renascimento. Destacavam-se por sua precisão na representação de costas, portos e rotas marítimas. Utilizando linhas de rumo ou de redes de linhas retas, os portugueses traçaram rotas, em vez de meridianos e paralelos, e foram atualizando suas técnicas e seus conhecimentos territoriais de acordo com as  descobertas que navegadores relatavam ao retornar de suas viagens.

Com toda a tecnologia moderna, essas cartas náuticas podem nos parecer desenhos toscos, mas, na época, foram de grande utilidade no desbravamento do desconhecido e tenebroso além-mar.  

Dando um grande salto no tempo, nos dias atuais observamos avanços tremendos na  técnica de mapeamento territorial, em razão de termos acesso a imagens de satélites. Esses podem gerar imagens instantâneas do que se quer conhecer em tempo real em qualquer lugar do planeta. E, com o que nos mostram, poderemos localizar e/ou mapear com facilidade territórios a delimitar. Os objetivos e fins dessa tecnologia são diversos, como observamos recentemente, tanto para fins pacíficos e científicos como para fins militares e bélicos. 

As fotos aéreas de uso em territórios restritos ou mais amplos podem  ser atualizadas em qualquer tempo, com observação em tempo real. As novas  tecnologias permitem a um observador ver, à longa distância, um território demarcado, dando à representação territorial uma dinamicidade nunca sonhada pelos antigos engenheiros cartógrafos. Hoje, contamos ainda com drones dotados de câmeras, que  permitem uma observação mais específica de um ponto territorial. 

Essas tecnologias  tornam, portanto, obsoletos a arte da cartografia manual, e, como diz o ditado, "uma imagem vale por mil palavras". Mas sobre isso precisamos refletir. Usando tecnologias novas ou velhas, criamos mapas, representações de territórios que habitamos ou que pretendemos conquistar. Veja que mapas não são fotos ou imagens, mas representações abstratas projetadas pelo intelecto e pela imaginação humana. Hoje, essas representações nos dão conhecimento não só de territórios terrestres, mas  também do grande e poderoso universo.

Satélites lançados buscam por novos aglomerados de estrelas, galáxias, planetas e  formas de vida. Algumas sondas já ultrapassaram a heliosfera, região com maior  influência do Sol, e seguem navegando pelo espaço interestelar. A Voyager 1 foi a primeira  sonda a cruzar o limite do sistema solar. Depois dela, várias outras foram lançadas. Por  exemplo, Voyager 1 e 2 e Pioneer 10 e 11, lançadas na década de 1970, avançam universo adentro, e as imagens que nos enviam nos possibilitam criar mapas de  territórios muito distantes, nos quais provavelmente nunca pisaremos. Fazemos isso,  traçando possíveis fronteiras entre galáxias, dividindo galáxias por tipos e em grupos ou aglomerados de corpos celestes. Com esses mapas, vamos, como os antigos cartógrafos faziam, atualizando e aumentando o nosso conhecimento sobre o desconhecido e  moldando o futuro e as novas gerações, como muito bem descrevia o grande astrônomo  Carl Sagan.  

O navegante moderno maravilha-se diante do universo, orgulhoso de seu tempo e de seus avanços. Nessa nova perspectiva, o mapeamento de territórios terrestres no período das grandes navegações torna-se uma pequena aventura. Mas, é preciso sempre  lembrar que foram feitos gigantes para a época, e que eles nos possibilitaram chegar aonde chegamos. Ao passar além do bojador, enfrentando a própria dor, os antigos navegantes, com suas cartas náuticas, nos preparam para ultrapassar a heliosfera, nos  aperfeiçoando na técnica de mapeamento. 

 


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Por Opinião
postado em 22/07/2025 06:02
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