ARTIGO

A espetacularização da morte

Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, há um ano, a cantora revelou que o pai a aconselhou: "Se está muito pesado, vai." Preta Gil foi. Deixemos, então, que vá

"Talvez, os avanços da medicina tenham nos deixado mal-acostumados: não importa a doença nem a idade do falecido, sempre nos assustamos com um anúncio fúnebre" - (crédito: Reprodução Instagram)

A morte, parece, já foi mais simples. Antes das vacinas, da descoberta dos micróbios, dos antibióticos e de outras intervenções da medicina, morria-se com tanta facilidade que chegar à idade adulta era quase um jogo de cara e coroa. Um estudo publicado em 2013 na revista Evolution and Human Behavior analisou 17 sociedades — de comunidades paleolíticas a modernos caçadores-coletores — e concluiu que, em média, 49% da população morria na infância. 

Não que se banalizasse a morte. Desde a chamada "pré-história", há registro de rituais fúnebres, inclusive entre os extintos neandertais. Os textos deixados pelos gregos enfatizavam o quão trágico era perder um familiar ou amigo; no antigo Egito, as preparações para esse importante momento começavam ainda em vida.

Morrer, porém, era esperado como parte do ciclo da vida. Hoje, por mais que saibamos disso, encaramos o fim com mais espanto. Talvez, os avanços da medicina tenham nos deixado mal-acostumados: não importa a doença nem a idade do falecido, sempre nos assustamos com um anúncio fúnebre. Se não por proximidade com aquele que se foi, pela lembrança de que um dia seremos nós. 

Contribui para isso a publicização da morte, exacerbada pela internet. Morrer tornou-se um espetáculo. Explora-se cada aspecto da vida do falecido: as últimas palavras, o derradeiro jogo de futebol assistido, a lista de maridos/namorados/ficantes, frases célebres, festas que foi ou que deixou de ir. 

A morte da cantora Preta Gil, aos 50 anos, no último domingo, não fugiu à regra. Parece que não basta homenagear a artista, ressaltando seu legado — inclusive a generosidade com a qual dividiu publicamente a doença e o tratamento, como forma de alerta. Alguns sites, contas de redes sociais e programas de TV exploram cada aspecto da existência de Preta exaustivamente — dos casamentos às tatuagens —, assim como de sua partida — se sentiu dor, se estava consciente, se parecia estar com medo ou conformada. 

Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, há um ano, a cantora revelou que o pai a aconselhou: "Se está muito pesado, vai." Preta Gil foi. Deixemos, então, que vá — com a serenidade da voz de Gil e sem o estardalhaço da mídia.

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postado em 24/07/2025 06:03
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