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35 anos de ECA: proteção e direito à comunicação

Apesar dos avanços normativos, parte da mídia e de autoridades ainda utiliza termos herdados do ultrapassado Código de Menores. O uso recorrente da palavra "menor", por exemplo, carrega carga pejorativa e reforça visões subalternas

"É urgente investir em ações preventivas, ampliar o acesso à informação e orientar meninas e meninos sobre seus direitos" - (crédito: Divulgação)

MAÍRA MORAES e CRISTIANE PARENTE, doutoras em comunicação e pesquisadoras em educação midiática

Em 1990, o Brasil deu um passo histórico ao promulgar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e estabelecendo sua proteção integral como prioridade do Estado, da sociedade e da família. Trinta e cinco anos depois, celebramos conquistas importantes, mas também enfrentamos desafios persistentes que exigem atenção urgente.

Nos 30 anos do ECA, ressaltávamos a importância do direito à comunicação e da participação ativa de crianças e adolescentes na vida pública e midiática. Em 2025, esse debate ganha ainda mais força diante de um cenário digital complexo. A educação midiática e digital tornou-se essencial para garantir não apenas proteção, mas também autonomia e protagonismo desse público em um ecossistema marcado por desinformação, algoritmos e novas formas de violência.

Paralelamente, dados alarmantes mostram que a promessa do ECA ainda não alcança todas as infâncias, de acordo com a Ouvidoria Nacional do Ministério dos Direitos Humanos. No primeiro semestre de 2025, houve um crescimento de 30% nas denúncias de violações em relação a 2023. Em 119.319 denúncias, foram registradas 752.412 violações físicas, psíquicas, patrimoniais e negligência. Esse aumento pode indicar que a sociedade está menos tolerante ao silêncio diante de injustiças. Ainda assim, a persistente exclusão digital e o agravamento de desigualdades revelam que o ECA precisa ser efetivado como política pública cotidiana, garantindo escuta, dignidade e participação.

Apesar dos avanços normativos, parte da mídia e de autoridades ainda utiliza termos herdados do ultrapassado Código de Menores. O uso recorrente da palavra "menor", por exemplo, carrega carga pejorativa e reforça visões subalternas. Expressões como "menor infrator" obscurecem a individualidade e os direitos previstos no ECA, que preconiza responsabilização com base em medidas socioeducativas, não punitivas.

A situação se agrava com a presença, ainda frequente, de termos como "prostituição infantil" ou "pornografia infantil" em discursos e manchetes. Segundo a SaferNet, essas expressões sugerem, mesmo que involuntariamente, algum tipo de consentimento da vítima, o que é inaceitável jurídica e eticamente. Crianças e adolescentes não se prostituem nem produzem pornografia: são vítimas de exploração sexual. A terminologia correta é fundamental para o enfrentamento do problema. Após 35 anos da promulgação do ECA e de uma atuação formativa de instituições como a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e  a Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) e  junto a jornalistas, por exemplo, esse debate não deveria mais ser necessário — mas é. E precisa ser contínuo.

A linguagem tem poder simbólico: pode proteger ou violar direitos. Por isso, é urgente que jornalistas, educadores, comunicadores e toda a sociedade adotem abordagens éticas e juridicamente alinhadas. Mais do que um erro de vocabulário, trata-se de um erro de reconhecimento e de humanidade. Palavras moldam mentalidades e legislações, por si só, não mudam práticas sociais se não forem acompanhadas por novas narrativas.

A perpetuação de estereótipos também pode ser alimentada se a mídia opta por matérias rasas e sensacionalistas. E quando não contextualiza ou educa, perde a chance de mostrar a complexidade de sujeitos em desenvolvimento. Pior: estimula reações instintivas e punitivistas, em vez de promover empatia e justiça. O jornalismo precisa contribuir para tornar o ECA conhecido, principalmente entre crianças e adolescentes, que devem aprender na escola que existe uma lei que os escuta, protege e os reconhece como cidadãos.

Celebrar os 35 anos do ECA é também reafirmar compromissos. É urgente investir em ações preventivas, ampliar o acesso à informação e orientar meninas e meninos sobre seus direitos. Ensinar sobre canais como o Disque 100, gratuito e anônimo, é dar ferramentas para romper o silêncio. Eles precisam saber que não estão sozinhos. Mais que protegê-los, é preciso escutá-los e enxergá-los como sujeitos plenos de direitos, protagonistas da sua história. O ECA é mais do que um marco legal, é um pacto vivo, coletivo, que deve se realizar todos os dias em todas as esferas da sociedade.

 


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postado em 23/07/2025 06:00
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