
KAMILA RIBEIRO — cantora e artesã
Brasília, o coração político do Brasil, é também o lar de uma imensa riqueza cultural e criativa. Conhecida por sua arquitetura única e organização urbana, nossa cidade pulsa com o talento de artistas que resistem diariamente para manter viva a chama da arte em meio a tantos desafios. Sou cantora e artesã, residente e domiciliada neste nosso Quadradinho tão amado. Falar sobre as oportunidades artísticas que Brasília oferece é, para mim, tanto um dever quanto um desabafo.
Como capital federal, era de se esperar que Brasília fosse uma referência no incentivo à cultura. Mas a realidade é outra. As oportunidades são, frequentemente, restritas e concentradas nas mãos de quem pouco se importa com o fortalecimento da cena local. No caso da música, a situação é preocupante. Muitos artistas têm seu trabalho desvalorizado pelas casas noturnas, que não repassam corretamente o couvert artístico, obrigando-os a aceitar valores irrisórios. Isso provoca desunião e transforma o ambiente artístico em uma competição injusta, onde reina o "salve-se quem puder".
E onde está a Ordem dos Músicos do Brasil neste cenário? Uma instituição que deveria proteger os profissionais da música, mas, na prática, tem se mostrado ineficaz. O resultado é a fuga de talentos para outras cidades, como São Paulo ou Goiânia. Basta lembrar de nomes, como Legião Urbana, Raimundos e Herbert Vianna, que só alcançaram projeção nacional depois de deixar Brasília. Não podemos dizer que falta público ou estrutura. A cidade tem quase 3 milhões de habitantes e uma diversidade cultural imensa. No entanto, em grandes eventos, artistas de fora recebem cachês altíssimos, enquanto os locais são ignorados. O dinheiro que poderia fortalecer nossa cena cultural é enviado para outros estados.
O Polo de Cinema, prometido como grande investimento no audiovisual, tornou-se símbolo do abandono. Outro desafio é a chamada "lei do silêncio", cuja má aplicação inviabiliza eventos com música ao vivo, causando o fechamento de espaços culturais. A perda dessas casas representa o fim de oportunidades para centenas de artistas. Como artesã há mais de uma década, afirmo com convicção: o artesanato brasiliense é invisível ao poder público. Sem espaços dignos de exposição e com taxas abusivas para feiras, o pequeno artesão luta para manter seu ofício. A Torre de TV, que já foi símbolo da arte popular, hoje se parece mais com um shopping de móveis planejados.
Isso é um reflexo do descaso com a arte feita à mão, que também é economia, identidade, memória e meio de sustento, sobretudo em áreas rurais. E quando falamos de invisibilidade, é impossível ignorar o racismo estrutural que atravessa todas essas dificuldades. O racismo é um sistema de opressão que nega oportunidades, inferioriza culturas e silencia vozes pretas e indígenas — inclusive, no campo artístico. Ele não se manifesta apenas em ofensas diretas, mas também na falta de acesso, no apagamento da história, na dificuldade de ascensão e na ausência de representatividade.
No mundo das artes, o racismo se expressa na ausência de apoio a iniciativas culturais negras, na exclusão de artistas pretos de grandes festivais, e na resistência em aceitar referências que fogem do padrão eurocêntrico. Conscientizar sobre o racismo é urgente. É reconhecer que ele existe e que precisamos combatê-lo ativamente, principalmente nas instituições públicas e culturais. A arte preta e periférica precisa ser vista como potência, não como resistência periférica que só merece atenção em novembro — mês da Consciência Negra. A valorização real passa por políticas públicas consistentes, editais acessíveis e espaços culturais que reflitam a diversidade da população brasileira.
Apesar das dificuldades, seguimos criando, cantando, produzindo e resistindo. Brasília tem tudo para se tornar um polo cultural de referência nacional — mas isso só será possível quando seus artistas forem respeitados, valorizados e incluídos em sua diversidade. Investir em cultura é investir em identidade, pertencimento e justiça social. É hora de transformar o Quadradinho mais amado do Brasil também no mais justo, plural e fértil para a arte florescer. Porque sem cultura não há futuro. E sem combater o racismo, não há verdadeira transformação.
Opinião
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