CIÊNCIA

A astronomia não só responde, mas formula perguntas ousadas

Em tempos de descrença e polarização excessiva, é gratificante ver cientistas trabalhando em hipóteses que, mesmo improváveis, nos convidam a teorizar com seriedade

Imagem gerada por inteligência artificial simula a busca por sinais no espaço -  (crédito: Ilustração feita pelo Gemini One com base no artigo de opinião)
Imagem gerada por inteligência artificial simula a busca por sinais no espaço - (crédito: Ilustração feita pelo Gemini One com base no artigo de opinião)

Confesso de antemão que sou fã de carteirinha da astronomia, uma das áreas da ciência que consegue nos arrancar do cotidiano e nos colocar diante do infinito cósmico das possibilidades. Ela nos força a encarar o mistério do que existe por aí com a coragem de quem não teme parecer ousado — ou, às vezes, até um pouco senil. E é exatamente aí que reside seu fascínio: não apenas em responder às grandes questões do Universo, mas muitas vezes em formulá-las com criatividade, rigor e (claro) uma dose saudável de imaginação.

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Em tempos de descrença e polarização excessiva, é gratificante ver cientistas trabalhando em hipóteses que, mesmo improváveis, nos convidam a teorizar com seriedade. Nesta semana, o site do Correio Braziliense publicou duas reportagens que ilustram bem o assunto. Uma delas é o estudo sobre o objeto interestelar 3I/ATLAS. Descoberto há pouco mais de três semanas, ele levanta uma possibilidade que, até pouco tempo, só teria espaço em roteiros de ficção científica: a de que este visitante de fora do Sistema Solar seja uma sonda alienígena.

A teoria, claro, é tratada com a devida cautela — os próprios pesquisadores afirmam que a explicação mais provável ainda é natural. Seria uma espécie de cometa. Mas o que torna o estudo fascinante não é a conclusão, e, sim, o processo. Como bons detetives cósmicos, os cientistas reuniram uma cadeia de coincidências improváveis: uma órbita retrógrada e plana, sobrevoos estratégicos a planetas, ausência de desgaseificação típica de cometas e até uma manobra que o colocaria oculto da Terra no momento mais crítico de sua aproximação. Tudo isso embasado em cálculos e métodos testáveis, com o devido alerta de que, talvez, o Universo seja diferente do que supomos.

Outro exemplo vem de um estudo elaborado por 13 pesquisadores vinculados à Universidade de St Andrews, no Reino Unido. Eles propõem a criação de um guia para lidar com a eventual detecção de um sinal tecnológico vindo de outra civilização. O estudo não parte da suposição de que encontraremos esse sinal, mas, sim, do entendimento de que, se isso ocorrer, não estamos prontos para lidar com a novidade. Tal problema é retratado na famosa série O problema dos 3 corpos, da Netflix.

E, então, os pesquisadores projetam uma espécie de "ponte" para o desconhecido, onde ciência, diplomacia, comunicação e até arte se entrelaçam. Não é prever o futuro, mas se preparar para ele. Esse tipo de reflexão é uma das maiores virtudes do pensamento crítico. Ela desafia nossos limites cognitivos, éticos e políticos. Qual seria a sua reação, caro leitor, se soubéssemos que não estamos sozinhos?  

Muitos dirão que é perda de tempo. Que há problemas mais urgentes na Terra. Sonhar com o cosmos, no entanto, é uma das formas mais poderosas de nos lembrar da nossa pequenez — e, paradoxalmente, da nossa capacidade de imaginar grande. A beleza da astronomia está em analisar com seriedade o novo. Em considerar que talvez, só talvez, o Universo esteja tentando dizer algo — e que vale a pena aprender a ouvir.

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postado em 25/07/2025 06:04
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