
»Ana Paula Yazbek — mestre em educação (USP), especialista em educação de crianças de 0 a 3 anos (Instituto Singularidades) e diretora do espaço ekoa; Miruna Kayano Genoino — mestre em escrita e alfabetização (Universidade Federal de La Plata), pedagoga e orientadora pedagógica do espaço ekoa
Agosto foi definido pelo governo federal como o mês da primeira infância, mas vivemos uma contradição. Enquanto iniciativas buscam valorizar os primeiros anos de vida, surgem denúncias de hiperexposição e exploração de crianças na internet. O termo que ganhou força é "adultização", quando meninas e meninos são pressionados a assumirem comportamentos e estéticas que não correspondem à sua idade. Como agir diante disso?
Antes de tudo, para combater esse tipo de comportamento, para além da regulamentação das redes sociais que já está sendo discutida no Congresso Nacional e do compromisso de todos com o tema (famílias e escolas), é preciso que a sociedade reconheça a importância e o direito de ser criança.
A infância é um período repleto de descobertas, imaginação e aprendizagens que não se resumem a conteúdos, mas à própria experiência de ser criança. Brincar livre, ouvir e contar histórias, mergulhar em jogos simbólicos e na curiosidade espontânea fazem parte do que chamamos de culturas das infâncias. E dizemos no plural por reconhecer a diversidade racial, social, de gênero, cultural e econômica das crianças em diferentes territórios e tempos históricos.
É por meio dessas experiências da infância que a criança constrói sua identidade, desenvolve habilidades socioemocionais e aprende a se relacionar com o mundo ao seu redor. Quando respeitamos e incentivamos essa cultura, contribuímos para uma formação mais saudável e integral, onde há espaço para a ludicidade, para o erro como parte do processo de aprendizagem e para o tempo próprio de cada etapa do desenvolvimento.
Por outro lado, a adultização impõe às crianças padrões estéticos, consumistas e comportamentais próprios do mundo adulto. Isso pode ser observado, por exemplo, na sexualização precoce em mídias e roupas, ainda mais forte nas meninas, na pressão por desempenho em excesso, e na substituição do brincar por agendas cheias de compromissos. Esses fatores podem gerar ansiedade, estresse e até dificuldades de socialização, além de comprometer o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças. O excesso de estímulos, a falta de tempo livre e o acesso irrestrito a mídias adultizantes corroem a espontaneidade, a criatividade e a liberdade de ser criança.
Ou seja, a adultização precoce pode apagar a cultura das infâncias, diminuindo a importância do "aqui e agora" em prol de um "tornar-se" alguém. Esse é um lugar de exposição, de desamparo, já que a criança não tem mecanismos cognitivos, afetivos, emocionais, físicos, para lidar com o que representa essa adultização.
A criança tem que estar no lugar de criança, vivendo experiências que ela só pode viver nessa fase, como a experimentação intensa das muitas oportunidades que lhe são apresentadas, fazendo muitas perguntas, ouvindo respostas, recebendo olhares e gestos que as acolhem. Por isso, valorizar a infância não significa impedir ou desvalorizar a presença e o comportamento dos adultos. Pelo contrário, os adultos são os responsáveis por oferecer às crianças condições, espaços e ambientes para que elas sejam produtoras dessa cultura. E devem participar desse desenvolvimento da infância, não só controlar e observar.
Assim, ao estar com as crianças nos momentos de brincadeira livre, por exemplo, aprendemos o que está acontecendo com elas, observamos quais decisões tomam, quem consegue brincar bem, quem ainda está ficando sozinho. Nesse processo, nós, adultos, podemos ser um pouquinho mais crianças para termos trocas significativas. Se não formos, as crianças podem ter como experiência maior a entrada no mundo adulto, com todas as suas consequências.
Mas quantas infâncias são desamparadas? Seja pelas políticas públicas, dentro de escolas que não conseguem cuidar efetivamente delas ou de famílias sem condições básicas. É urgente que famílias, educadores, instituições e a sociedade como um todo reflitam sobre o papel que estamos atribuindo às crianças.
Educar contra a adultização é também um ato político e de cuidado: envolve garantir os direitos das crianças — brincar, conviver, aprender, se expressar —, assim como lutar por uma infância inclusiva, criativa e culturalmente rica. Valorizá-la é recuar da lógica produtiva e dar espaço ao afeto, à imaginação, à diversidade e à proteção de sua identidade própria. É compreender que a criança não é um "miniadulto", mas um indivíduo em desenvolvimento que precisa de apoio, cuidado e espaço para ser criança.